13.04.2013 Views

Tradução de Ana Faria e Isabel Andrade - Saída de Emergência

Tradução de Ana Faria e Isabel Andrade - Saída de Emergência

Tradução de Ana Faria e Isabel Andrade - Saída de Emergência

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

para pedir a Deus que abençoe o seu ventre com um fi lho. Terminadas as<br />

orações, leva consigo as peles já preenchidas e pe<strong>de</strong> ao escrivão <strong>de</strong> Brochael<br />

que as traduza para britânico. Acho que ela altera a história nessa altura, fazendo-a<br />

coincidir com o Artur que ela <strong>de</strong>seja que exista e não com o Artur<br />

que <strong>de</strong> facto existiu. Mas é provável que isso não tenha importância, pois<br />

quem irá ler esta história? Sinto-me como um homem que constrói uma<br />

pare<strong>de</strong> <strong>de</strong> lama e vime com o objetivo <strong>de</strong> conter uma inundação iminente.<br />

A ida<strong>de</strong> das trevas, um tempo em que nenhum homem lerá uma linha que<br />

seja, está a chegar. Haverá apenas Saxões.<br />

Estou então a escrever sobre os mortos, e a escrita ajuda-me a passar<br />

o tempo que me resta até po<strong>de</strong>r juntar-me a eles; o tempo em que o irmão<br />

Derfel, humil<strong>de</strong> monge <strong>de</strong> Dinnewrac, tornará a ser Lor<strong>de</strong> Derfel Cadarn,<br />

Derfel, o Po<strong>de</strong>roso, Paladino <strong>de</strong> Dumnónia e amigo dileto <strong>de</strong> Artur. Agora,<br />

porém, sou apenas um velho monge enregelado que escrevinha memórias<br />

com a única mão que lhe resta. E esta noite é Véspera do Samain e amanhã<br />

começa um novo ano. O inverno está a chegar. Empurradas pelo vento, as<br />

folhas outonais jazem sobre as sebes em montículos cintilantes, tordos-piscos<br />

revoluteiam em torno dos restolhos, as gaivotas trocaram o mar pela<br />

terra e as galinholas reúnem-se à luz da Lua cheia. É uma boa estação, segundo<br />

me disse Igraine, para escrever sobre coisas antigas. Por essa razão<br />

trouxe-me uma pilha <strong>de</strong> peles novas, um frasco <strong>de</strong> tinta acabada <strong>de</strong> misturar<br />

e um molho <strong>de</strong> penas. Fala-me <strong>de</strong> Artur, pe<strong>de</strong>-me ela, do Artur <strong>de</strong> ouro,<br />

a nossa última e melhor esperança, o nosso rei que nunca chegou a ser rei,<br />

o Inimigo <strong>de</strong> Deus e o fl agelo dos Saxões. Fala-me <strong>de</strong> Artur.<br />

Um campo <strong>de</strong> batalha é uma visão horrível.<br />

Saíramos vitoriosos, mas nas nossas almas não havia qualquer vestígio<br />

<strong>de</strong> júbilo, apenas fadiga e alívio. Trémulos, juntávamo-nos em volta das<br />

nossas fogueiras e fazíamos por não pensar nos vampiros e espíritos que<br />

trilhavam a escuridão on<strong>de</strong> jaziam os mortos do Vale do Lugg. Alguns <strong>de</strong><br />

nós dormiam, mas ninguém conseguia um sono <strong>de</strong>scansado, pois os pesa<strong>de</strong>los<br />

do fi nal da batalha não nos davam tréguas. Acor<strong>de</strong>i em plena noite,<br />

sobressaltado pela lembrança da estocada <strong>de</strong> uma lança que por pouco não<br />

se enterrara na minha barriga. Issa salvara-me, afastando a lança inimiga<br />

com o rebordo do seu escudo, mas a memória do que quase acontecera<br />

continuava a atormentar-me. Tentei voltar a adormecer, mas a recordação<br />

daquela lança manteve-me acordado até que, por fi m, trémulo e exausto,<br />

levantei-me e enrolei-me na minha capa. O vale estava iluminado por fogueiras<br />

que se iam consumindo lentamente, e nos intervalos escuros entre<br />

as chamas espalhava-se um miasma formado pelo fumo e pela neblina<br />

23

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!