Tradução de Ana Faria e Isabel Andrade - Saída de Emergência
Tradução de Ana Faria e Isabel Andrade - Saída de Emergência
Tradução de Ana Faria e Isabel Andrade - Saída de Emergência
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
as aclamações, Lancelote alisava o cabelo e a mãe <strong>de</strong>le irradiava alegria e<br />
aprovação. Por momentos, o rosto <strong>de</strong> Guinevere fi cou imperscrutável, mas<br />
<strong>de</strong>pois abriu-se num sorriso, um sorriso <strong>de</strong> puro triunfo. Podia ter sido<br />
ofuscada pela beleza <strong>de</strong> Ceinwyn, mas esta ainda não <strong>de</strong>ixara <strong>de</strong> ser a noite<br />
<strong>de</strong> Guinevere, que via assim a sua velha rival ser entregue a um casamento<br />
que ela própria arquitetara.<br />
Vi o sorriso afetado e vitorioso que assomou no rosto <strong>de</strong> Guinevere<br />
e talvez tivesse sido a sua satisfação maldosa que me fez <strong>de</strong>cidir. Ou talvez<br />
tivesse sido o ódio que sentia por Lancelote, ou o meu amor por Ceinwyn,<br />
ou talvez Merlim estivesse certo e os Deuses amem <strong>de</strong> facto o caos, pois<br />
num súbito acesso <strong>de</strong> raiva, agarrei o osso com as duas mãos. Não pensei<br />
nas consequências da magia <strong>de</strong> Merlim, no seu ódio pelos Cristãos ou no<br />
risco <strong>de</strong> virmos a acabar todos mortos em plena <strong>de</strong>manda do Cal<strong>de</strong>irão,<br />
no reino <strong>de</strong> Diwrnach. Não pensei na or<strong>de</strong>m pru<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Artur; tinha<br />
apenas consciência <strong>de</strong> que Ceinwyn ia ser entregue a um homem que eu<br />
odiava. Eu, como os restantes convivas espalhados pelo salão, estava <strong>de</strong> pé<br />
a observar Ceinwyn por entre as cabeças dos guerreiros. Ela alcançara já<br />
o gran<strong>de</strong> pilar central <strong>de</strong> carvalho do salão principal, on<strong>de</strong> foi envolvida e<br />
cercada pelo feroz estridor dos aplausos e assobios. Eu era o único que me<br />
mantinha silencioso. Sem <strong>de</strong>sviar os meus olhos <strong>de</strong>la, coloquei os meus<br />
dois polegares na parte central da costeleta e prendi as extremida<strong>de</strong>s entre<br />
os punhos. Agora, Merlim, pensei, agora, velho patife, <strong>de</strong>ixa-me testar a tua<br />
magia.<br />
Parti a costeleta. O ruído que provocou ao <strong>de</strong>sfazer-se diluiu-se no<br />
meio dos aplausos.<br />
Enfi ei as duas meta<strong>de</strong>s do osso <strong>de</strong>ntro da minha bolsa e juro que quase<br />
não sentia o bater do meu coração enquanto observava a princesa <strong>de</strong> Powys,<br />
que saíra da noite com fl ores no cabelo.<br />
E que nesse momento se <strong>de</strong>teve subitamente. Parou, mesmo junto ao<br />
pilar <strong>de</strong>corado com bagas e folhas.<br />
Des<strong>de</strong> que entrara no salão, Ceinwyn não tirara os olhos <strong>de</strong> Lancelote<br />
e assim continuava, o rosto sempre iluminado por um sorriso. No entanto,<br />
parou e a sua súbita imobilida<strong>de</strong> fez com que um silêncio perplexo <strong>de</strong>scesse<br />
lentamente sobre o aposento. A criança que espalhava as pétalas franziu o<br />
sobrolho e olhou em volta à espera <strong>de</strong> instruções. Ceinwyn não se mexeu.<br />
Artur, sorrindo ainda, <strong>de</strong>ve ter pensado que ela se <strong>de</strong>ixara dominar<br />
pelo nervosismo, pois acenou-lhe encorajadoramente. O cabresto oscilava<br />
nas suas mãos trémulas. A harpista fez vibrar uma corda hesitante, <strong>de</strong>pois<br />
afastou os <strong>de</strong>dos da harpa e à medida que as suas notas eram abafadas pelo<br />
silêncio, vi uma fi gura vestida <strong>de</strong> negro avançar no meio da multidão, do<br />
outro lado da coluna.<br />
75