Tradução de Ana Faria e Isabel Andrade - Saída de Emergência
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anca e fresca e os pesa<strong>de</strong>los esfumaram-se para serem substituídos pela<br />
visão <strong>de</strong> um longo corpo branco e <strong>de</strong>snudado, <strong>de</strong> coxas <strong>de</strong>lgadas e seios<br />
pequenos.<br />
— Sonha, Derfel — Nimue tranquilizou-me, afagando-me os cabelos<br />
com as duas mãos, — sonha, meu amor, sonha.<br />
Eu chorava <strong>de</strong>scontroladamente. Era um guerreiro, um Senhor <strong>de</strong><br />
Dumnónia, amado por Artur e a sua dívida para comigo <strong>de</strong>pois da última<br />
batalha era <strong>de</strong> tal modo gran<strong>de</strong> que ele me agraciaria com terras e riquezas<br />
com que eu jamais sonhara. E, no entanto, naquele momento chorava como<br />
uma criança órfã. O <strong>de</strong>sejo da minha alma era Ceinwyn, mas Ceinwyn estava<br />
a <strong>de</strong>ixar-se fascinar por Lancelote e eu julgava que nunca mais po<strong>de</strong>ria<br />
conhecer a felicida<strong>de</strong>.<br />
— Sonha, meu amor — cantarolava Nimue, e <strong>de</strong>ve ter estendido uma<br />
capa negra sobre as cabeças <strong>de</strong> ambos, pois subitamente a noite cinzenta<br />
<strong>de</strong>sapareceu e eu fi quei imerso numa escuridão silenciosa com os braços<br />
<strong>de</strong>la a ro<strong>de</strong>ar-me o pescoço e o seu rosto colado ao meu. Ajoelhámos, as<br />
nossas faces sempre juntas, as minhas mãos estremecendo espasmódica e<br />
<strong>de</strong>scontroladamente sobre a pele fresca das suas coxas <strong>de</strong>snudadas. Deixei<br />
que o peso do meu corpo contorcido encontrasse apoio nos ombros<br />
magros <strong>de</strong>la e, aí, entre os seus braços, as lágrimas cessaram, os espasmos<br />
serenaram e eu fi quei subitamente calmo. Nenhum acesso <strong>de</strong> vómito me<br />
apertava a garganta, as dores nas pernas tinham <strong>de</strong>saparecido e eu senti-me<br />
quente, tão quente que continuei a transpirar. Permaneci imóvel, não queria<br />
mexer-me, mas <strong>de</strong>ixar apenas que o sonho acontecesse.<br />
Começou por ser um sonho maravilhoso, pois era como se me tivessem<br />
dado as asas <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> águia e eu voava agora muito alto sobre<br />
um país que não conhecia. Então vi que se tratava <strong>de</strong> um país horrível, dilacerado<br />
por abismos profundos e altas montanhas feitas <strong>de</strong> rochedos escarpados,<br />
ao longo dos quais pequenos riachos escorriam em cascata e iam<br />
morrer em lagos negros e turfosos. As montanhas pareciam não ter fi m, ou<br />
refúgio, pois à medida que sobrevoava os seus contornos nas asas do meu<br />
sonho, não via cavalos, nem abrigos, nem campos, nem rebanhos ou manadas,<br />
nem almas, apenas um lobo correndo entre as rochas escarpadas e as<br />
ossadas <strong>de</strong> um veado abandonado numa mata. O céu por cima <strong>de</strong> mim era<br />
tão cinzento como uma espada, as montanhas por baixo tão escuras como<br />
sangue seco e o ar sob as minhas asas frio como um punhal enterrado nas<br />
costelas.<br />
— Sonha, meu amor — murmurava Nimue, e no sonho as minhas<br />
largas asas ajudaram-me a <strong>de</strong>scer o sufi ciente para distinguir uma estrada<br />
serpenteante entre as montanhas escuras. Era uma estrada <strong>de</strong> terra batida,<br />
cortada por rochas, fazendo a ligação entre vales ao longo do seu percurso<br />
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