A reconstrução da identidade em A jangada de pedra, de José ...
A reconstrução da identidade em A jangada de pedra, de José ...
A reconstrução da identidade em A jangada de pedra, de José ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
e o tom mágico, culminante e glorioso, presentes na narração marcam esse<br />
momento como um dos pontos altos do romance, <strong>em</strong> que a ligação entre as<br />
personagens, já existente no plano metafísico (no outro mundo), se completa no<br />
plano físico (este mundo). Vale <strong>de</strong>stacá-lo quase que integralmente:<br />
117<br />
Por alturas <strong>de</strong> Santiago <strong>de</strong> Compostela o cão <strong>de</strong>rivou para noroeste.<br />
Devia estar perto do seu <strong>de</strong>stino, percebia-se pelo vigor renovado com que<br />
trotava agora, pela segurança dos jarretes, pelo porte <strong>da</strong> cabeça, pela<br />
firmeza <strong>da</strong> cau<strong>da</strong>. [...] Joana Car<strong>da</strong> exclamou, Vejam, vejam o fio azul.<br />
Todos viram. O fio não parece o mesmo. O outro, <strong>de</strong> sujo que se tornara,<br />
tanto já podia ter sido azul como castanho ou negro, mas este brilhava na<br />
sua cor própria, azul n<strong>em</strong> do céu n<strong>em</strong> do mar [...] O sol vai a <strong>de</strong>scer sobre o<br />
mar que <strong>da</strong>qui ain<strong>da</strong> não se vê [...] ain<strong>da</strong> nesta manhã e durante a tar<strong>de</strong> o<br />
céu estivera encoberto e triste [...] e agora uma luz fulva <strong>de</strong>rrama-se<br />
pelos campos, o cão é como uma jóia cintilante, um animal <strong>de</strong> ouro.<br />
Até Dois Cavalos não parece o fatigado carro que conhec<strong>em</strong>os, e<br />
<strong>de</strong>ntro os passageiros são todos formosas criaturas, dá-lhes <strong>de</strong> frente<br />
a luz e vão como b<strong>em</strong>-aventurados. <strong>José</strong> Anaíço olha Joana Car<strong>da</strong> e<br />
arrepia-se <strong>de</strong> a ver tão bela, Joaquim Sassa baixa o retrovisor para ver<br />
os seus próprios olhos resplan<strong>de</strong>centes, e Pedro Orce cont<strong>em</strong>pla as<br />
suas velhas mãos, não são velhas, não, saíram duma operação<br />
alquímica, tornaram-se imortais, ain<strong>da</strong> que o resto do seu corpo tenha <strong>de</strong><br />
morrer. 274<br />
“O fio sujo que se tornou inexplicavelmente limpo”, “o céu encoberto que <strong>de</strong><br />
repente se abre ensolarado” e “os passageiros cansados que parec<strong>em</strong> formosas<br />
criaturas” são percursos figurativos que representam a passag<strong>em</strong> do velho para o<br />
novo, propicia<strong>da</strong> justamente pela ligação entre “os seres e seu Princípio” que o fio e,<br />
conseqüent<strong>em</strong>ente, Maria Guavaira representam.<br />
Corrobora com esta interpretação, o fato <strong>de</strong> ser Maria Guavaira a quinta<br />
personag<strong>em</strong> a unir-se ao grupo. A ela po<strong>de</strong>-se associar o número cinco, que é o<br />
símbolo <strong>da</strong> união. Além disso, na condição <strong>de</strong> quatro mais um, o cinco personifica a<br />
quinta-essência, a preciosa substância além dos quatro el<strong>em</strong>entos, <strong>da</strong>s quatro<br />
funções, <strong>da</strong>s quatro direções e <strong>de</strong> todos os ‘quatro’ que <strong>de</strong>fin<strong>em</strong> a nossa reali<strong>da</strong><strong>de</strong><br />
274 A janga<strong>da</strong> <strong>de</strong> <strong>pedra</strong>, p. 174.