A reconstrução da identidade em A jangada de pedra, de José ...
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neste nível, são chamados interlocutor e interlocutário. 209 Trata-se, portanto, <strong>de</strong><br />
actantes do enunciado, aí instalados por meio <strong>de</strong> <strong>de</strong>breagens <strong>de</strong> segundo grau<br />
opera<strong>da</strong>s pelo narrador.<br />
No texto literário narrativo, esses actantes correspond<strong>em</strong> às personagens que<br />
dialogam entre si. Porém po<strong>de</strong> ocorrer que actantes <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado nível<br />
narrativo sejam instalados como actantes <strong>de</strong> outro. Dessa forma, tanto narrador<br />
como narratário pod<strong>em</strong> estar presentes no terceiro nível, atuando como<br />
interlocutores, s<strong>em</strong>pre que dialogar<strong>em</strong> diretamente com as personagens. Veja-se<br />
como esse procedimento ocorre <strong>em</strong> A janga<strong>da</strong> <strong>de</strong> <strong>pedra</strong>. É o narrador qu<strong>em</strong><br />
interpela a personag<strong>em</strong>:<br />
De um habitante do norte não ouviríamos o que ir<strong>em</strong>os ouvir, se<br />
pararmos para perguntar àquele hom<strong>em</strong> que ali vai, escarranchado num<br />
burro, o que pensa do extraordinário caso <strong>de</strong> ter-se separado a<br />
Península Ibérica <strong>da</strong> Europa, puxará o bridão ao asno, Xó, e respon<strong>de</strong>rá<br />
s<strong>em</strong> papas na língua. Que todo es una bufona<strong>da</strong> [...] Mas a televisão<br />
mostrou para todo o mundo os Pirenéus a rachar<strong>em</strong>-se como uma<br />
melancia, argumentamos, usando uma metáfora ao alcance <strong>da</strong><br />
compreensão rústica, Não me fio na televisão, enquanto não vir com os<br />
meus próprios olhos, estes que a terra há-<strong>de</strong> comer, não me fio, respon<strong>de</strong><br />
Roque Lozano. 210<br />
Mas, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente <strong>da</strong>s neutralizações passíveis <strong>de</strong> ser<strong>em</strong> verifica<strong>da</strong>s<br />
nas relações entre os actantes dos três níveis enunciativos, enunciador, narrador e<br />
interlocutor são instâncias produtoras <strong>de</strong> enunciado, mas não necessariamente as<br />
únicas responsáveis pela expressão e pelo conteúdo veiculados por meio do<br />
enunciado que produz<strong>em</strong>. A partir <strong>da</strong> noção <strong>de</strong> polifonia, sist<strong>em</strong>aticamente<br />
<strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong> por Ducrot 211 , po<strong>de</strong>-se dizer que há enunciados que veiculam<br />
diferentes responsáveis pela enunciação, ou seja, ain<strong>da</strong> que o produtor <strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>terminado enunciado seja um, po<strong>de</strong>-se perceber ali a presença <strong>de</strong> outra voz, ou<br />
209<br />
GREIMAS, Algir<strong>da</strong>s Julien e COURTÉS, Joseph. Dicionário <strong>de</strong> s<strong>em</strong>iótica. Trad. Alceu Dias<br />
Lima et alii., São Paulo, Cultrix, s.d., p.239.<br />
210<br />
A janga<strong>da</strong> <strong>de</strong> <strong>pedra</strong>, p.67.<br />
211<br />
DUCROT, Oswald. O dizer e o dito. Campinas, Pontes, 1987, pp. 161-218.<br />
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