A reconstrução da identidade em A jangada de pedra, de José ...
A reconstrução da identidade em A jangada de pedra, de José ...
A reconstrução da identidade em A jangada de pedra, de José ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Recolheram-se enfim os casais aos quartos, fizeram o que<br />
s<strong>em</strong>pre se faz <strong>em</strong> ocasiões <strong>de</strong>stas, qu<strong>em</strong> sabe se voltar<strong>em</strong>os aqui [na<br />
casa <strong>de</strong> Maria Guavaira] algum dia. 122<br />
O efeito é reforçado pelo uso do dêitico aqui no lugar <strong>de</strong> lá. Outro trecho <strong>em</strong><br />
que se dá o mesmo procedimento e se cria igual sensação <strong>de</strong> proximi<strong>da</strong><strong>de</strong> é o que<br />
segue:<br />
[...] Estavam, por assim dizer, no teatro <strong>de</strong> operações. Usando <strong>de</strong><br />
to<strong>da</strong>s as cautelas iam-se aproximando <strong>de</strong> Albufeira [...] Em ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, qu<strong>em</strong><br />
t<strong>em</strong> como <strong>de</strong>stino próximo a ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Lisboa não precisaria <strong>de</strong> aventurar-<br />
se nestas paragens on<strong>de</strong> a subversão reina, mas vale a pena certificarmo-<br />
nos <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s informações [se havia ou não barreiras nos caminhos],<br />
mil vezes se t<strong>em</strong> visto que contos contados são contos acrescentados,<br />
podia ter havido um caso isolado, ou dois. 123<br />
A primeira pessoa do plural também é <strong>em</strong>prega<strong>da</strong> com valor <strong>de</strong> tu, como uma<br />
estratégia para instaurar o leitor no texto:<br />
[...] este foi o diálogo, que na<strong>da</strong> adianta à inteligência <strong>da</strong> história,<br />
provavelmente apenas foi posto aqui para que ficáss<strong>em</strong>os cientes <strong>de</strong> que<br />
Joaquim Sassa e <strong>José</strong> Anaíço já se tratam por tu, <strong>de</strong>v<strong>em</strong> tê-lo combinado<br />
no caminho. E se tratáss<strong>em</strong>os por tu, disse um <strong>de</strong>les, e o outro concordou,<br />
Vinha precisamente a pensar nisso. 124<br />
Ao preferir a impessoali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> voz passiva − “foi posto aqui” −, com a<br />
omissão do agente “por mim”, o narrador simula ter o mesmo grau <strong>de</strong> conhecimento<br />
sobre a história que o leitor. Esse procedimento possibilita a entra<strong>da</strong> <strong>da</strong> expressão<br />
“para que ficáss<strong>em</strong>os cientes” <strong>em</strong> lugar <strong>da</strong> “para que ficasses ciente” ou “para que<br />
ficásseis cientes”, que seriam próprias <strong>da</strong> segun<strong>da</strong> pessoa. Como é impossível<br />
imaginar que o narrador não tivesse conhecimento prévio <strong>da</strong> história que narra, a<br />
122<br />
A janga<strong>da</strong> <strong>de</strong> <strong>pedra</strong>, p. 206.<br />
123<br />
Ibid<strong>em</strong>, p.94.<br />
124<br />
Ibid<strong>em</strong>, p. 64.<br />
60