A reconstrução da identidade em A jangada de pedra, de José ...
A reconstrução da identidade em A jangada de pedra, de José ...
A reconstrução da identidade em A jangada de pedra, de José ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
127<br />
<strong>da</strong>s personagens, postulando-se o erotismo como o sinal do mais íntimo<br />
entendimento dos seres e os seus efeitos como irradiações mágicas que<br />
<strong>em</strong> última análise esclarec<strong>em</strong> essas mutações do mundo.<br />
Um dos momentos <strong>em</strong> que essas “irradiações mágicas” são mais facilmente<br />
percebi<strong>da</strong>s é aquele quando Pedro Orce volta <strong>da</strong> encosta do mar, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ter<br />
encontrado o barco <strong>de</strong> <strong>pedra</strong>, e compreen<strong>de</strong> que no interior <strong>da</strong> casa, naquele<br />
instante, os casais faz<strong>em</strong> amor. Repare-se nas imagens utiliza<strong>da</strong>s pelo narrador<br />
para <strong>de</strong>screver a intuição do farmacêutico:<br />
[...] Pedro Orce ergueu a cabeça, olhou para baixo, para o vale on<strong>de</strong><br />
a casa estava. Parecia haver sobre ela uma aura, um fulgor s<strong>em</strong> brilho,<br />
uma espécie <strong>de</strong> luz não luminosa [...] seria uma vibração <strong>da</strong>s partículas<br />
invisíveis do ar, seria a irradiação duma energia como o calor na<br />
distância, seria a distorção dos raios luminosos no limite do seu<br />
alcance, esta noite ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iramente povoou-se <strong>de</strong> assombros, o fio e a<br />
nuv<strong>em</strong> <strong>de</strong> lã azul, a barca <strong>de</strong> <strong>pedra</strong> vara<strong>da</strong> sobre as lajes <strong>da</strong> costa, agora<br />
uma casa que prodigiosamente estr<strong>em</strong>ece, ou assim diríamos, vista<br />
<strong>da</strong>qui. A imag<strong>em</strong> oscila, fund<strong>em</strong>-se os contornos, <strong>de</strong> repente parece<br />
afastar-se até se tornar num ponto quase invisível, <strong>de</strong>pois regressa,<br />
pulsando lentamente. Por um instante t<strong>em</strong>eu Pedro Orce ser <strong>de</strong>ixado ao<br />
abandono neste outro <strong>de</strong>serto, mas o susto passou, foi só o t<strong>em</strong>po <strong>de</strong> ter<br />
compreendido que lá <strong>em</strong> baixo se tinham juntado Maria Guavaira e<br />
Joaquim Sassa. 300<br />
As “mutações do mundo” <strong>de</strong> que fala Seixo refer<strong>em</strong>-se às transformações<br />
sociais e psicológicas ocorri<strong>da</strong>s entre os povos <strong>da</strong> península. Depois <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r<strong>em</strong>-<br />
se no caos, é por meio do amor que os indivíduos encontram, através do t<strong>em</strong>po, o<br />
caminho para a <strong>reconstrução</strong> <strong>de</strong> uma nova ord<strong>em</strong> social, basea<strong>da</strong> <strong>em</strong> novas formas<br />
<strong>de</strong> união.<br />
300 A janga<strong>da</strong> <strong>de</strong> <strong>pedra</strong>, p. 185.