A reconstrução da identidade em A jangada de pedra, de José ...
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A <strong>em</strong>breag<strong>em</strong> também é <strong>em</strong>prega<strong>da</strong> quando se trata <strong>de</strong> eliminar do texto<br />
eventuais isotopias – isto é, possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> interpretação – não <strong>de</strong>seja<strong>da</strong>s pela<br />
instância produtora. Prevenindo-se contra possíveis julgamentos precipitados por<br />
parte <strong>de</strong> um ou outro leitor, o narrador utiliza a terceira pessoa no lugar <strong>da</strong> segun<strong>da</strong><br />
para selecionar o narratário. Explica-se melhor essa técnica com o auxílio do trecho<br />
abaixo:<br />
[...] chega a parecer-nos impossível que este abismo <strong>de</strong> água, com<br />
milhares <strong>de</strong> metros <strong>de</strong> profundi<strong>da</strong><strong>de</strong>, possa manter-se equilibrado sobre si<br />
mesmo, s<strong>em</strong> cair para um lado ou para outro, a observação só parecerá<br />
estúpi<strong>da</strong> a qu<strong>em</strong> achar que to<strong>da</strong>s as coisas neste mundo se explicam pelo<br />
facto simples <strong>de</strong> ser<strong>em</strong> como são, o que evi<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente, se aceita, mas não<br />
basta. 186<br />
A “observação” a que o narrador se refere é <strong>de</strong>le mesmo − notar o uso <strong>da</strong><br />
primeira pessoa do plural <strong>de</strong> modéstia <strong>em</strong> “chega a parecer-nos”. Uma vez que se<br />
t<strong>em</strong> na maior parte <strong>da</strong> narrativa um leitor instalado, a expressão “a qu<strong>em</strong> achar”<br />
substitui alguma outra mais direciona<strong>da</strong> ao narratário, do tipo “a observação só<br />
parecerá estúpi<strong>da</strong> se você, leitor, achar”.<br />
O mesmo ocorre no próximo fragmento, <strong>em</strong> que o sintagma “algumas<br />
pessoas” encontra-se no lugar <strong>de</strong> “você, leitor”:<br />
Debat<strong>em</strong>-se estas interessantes questões à sombra duma árvore, na hora do<br />
almoço, frugal como convém a viajantes que ain<strong>da</strong> não terminaram a jorna<strong>da</strong>, e se<br />
algumas pessoas consi<strong>de</strong>rar<strong>em</strong> o exame <strong>de</strong>sajustado, quer ao local, quer à<br />
circunstância, ter<strong>em</strong>os <strong>de</strong> recor<strong>da</strong>r-lhes que, globalmente, a instrução e cultura dos<br />
peregrinos admit<strong>em</strong>, s<strong>em</strong> escan<strong>da</strong>losa improprie<strong>da</strong><strong>de</strong>, uma conversação cujo teor,<br />
<strong>de</strong> um exclusivo ponto <strong>de</strong> vista <strong>da</strong> composição literária que buscasse uma também<br />
exclusiva verossimilhança, apresentaria, <strong>de</strong> facto, algumas <strong>de</strong>ficiências (p.249).<br />
186 Ibid<strong>em</strong>, pp. 218-8.<br />
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