A reconstrução da identidade em A jangada de pedra, de José ...
A reconstrução da identidade em A jangada de pedra, de José ...
A reconstrução da identidade em A jangada de pedra, de José ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
5. A história do que po<strong>de</strong>ria ter sido<br />
Depois <strong>de</strong> analisar o significado <strong>da</strong>s figuras presentes na narrativa, chega-se<br />
à conclusão <strong>de</strong> que o fantástico <strong>em</strong> A janga<strong>da</strong> <strong>de</strong> <strong>pedra</strong> constitui-se num longo<br />
percurso figurativo que representa, no final <strong>da</strong>s contas, um único t<strong>em</strong>a histórico.<br />
Para tratar <strong>de</strong>sse t<strong>em</strong>a, recorre-se neste momento ao conceito <strong>de</strong> situacionali<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />
termo que, segundo Matheus 301 , <strong>de</strong>signa os el<strong>em</strong>entos constitutivos que faz<strong>em</strong> com<br />
que um texto seja relevante para uma <strong>da</strong><strong>da</strong> situação, explícita ou recuperável.<br />
A situação histórica passível <strong>de</strong> ser recupera<strong>da</strong> por meio <strong>da</strong> leitura <strong>de</strong>ste<br />
romance <strong>de</strong> <strong>José</strong> Saramago é aquela que prece<strong>de</strong> o ingresso <strong>de</strong> Portugal e<br />
Espanha na União Européia, <strong>em</strong> janeiro <strong>de</strong> 1986. Não por acaso o livro foi publicado<br />
<strong>em</strong> Lisboa naquele mesmo ano. Diferenças políticas e econômicas, b<strong>em</strong> como<br />
características culturais do povo ibérico − suas crenças, seus valores, mitos e<br />
conteúdos arquetípicos enraizados no inconsciente coletivo − são apresenta<strong>da</strong>s<br />
como fatores impeditivos <strong>da</strong> participação <strong>da</strong> Península Ibérica naquela comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />
Para Rodrigues <strong>da</strong> Silva 302 , A janga<strong>da</strong> <strong>de</strong> <strong>pedra</strong> é “uma óbvia fábula <strong>de</strong><br />
Saramago contra a integração européia dos dois povos peninsulares”. Além <strong>de</strong><br />
concor<strong>da</strong>r com esta visão, Inês Pedrosa 303 manifesta-se a respeito do referente<br />
histórico a partir do qual a obra é construí<strong>da</strong>. “A Península separa-se porque nunca<br />
esteve liga<strong>da</strong> à Europa”, diz a autora. Po<strong>de</strong>-se avançar na interpretação e afirmar<br />
que a narrativa não só apresenta uma posição contrária à referi<strong>da</strong> união, como<br />
também constrói uma “reali<strong>da</strong><strong>de</strong>” alternativa a partir <strong>da</strong> separação. Pergunta o<br />
narrador:<br />
[...] Ah, qu<strong>em</strong> escreverá a história do que po<strong>de</strong>ria ter sido [?] 304<br />
A pergunta é retórica. Mas Saramago tenta respondê-la, ao escrever a<br />
história do que po<strong>de</strong>ria ter sido a Península Ibérica se esta se recusasse a participar<br />
301<br />
MATEUS, Maria Helena Mira et alii. Gramática <strong>da</strong> língua portuguesa. Coimbra, Livraria<br />
Almedina, 1983, p. 189.<br />
302<br />
Site CITI. Disponível <strong>em</strong>: http://www.citi.pt/cultura/literatura/romance/saramago/fab_jg5.html.<br />
303<br />
PEDROSA, Inês. A Península Ibérica nunca esteve liga<strong>da</strong> à Europa. In Jornal <strong>de</strong> Letras, Lisboa,<br />
Ano VI, nº 227, <strong>de</strong> 10 a 16.11.1986, p.24-6.<br />
304 A janga<strong>da</strong> <strong>de</strong> <strong>pedra</strong>, p. 16.<br />
128