A reconstrução da identidade em A jangada de pedra, de José ...
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[...] esta outra ilha, a ibérica, que era península e <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> o ser<br />
[como se] tivesse <strong>de</strong>cidido meter-se ao mar à procura dos homens<br />
imaginários. 287<br />
[...] do cais europeu nos <strong>de</strong>sprend<strong>em</strong>os, mas novamente fen<strong>de</strong>ndo<br />
as on<strong>da</strong>s do Atlântico, que almirante nos guia, que porto nos espera. 288<br />
Atlânti<strong>da</strong>. 289<br />
[...] será [...] que estávamos fa<strong>da</strong>dos para o <strong>de</strong>stino <strong>da</strong><br />
[...] é como se agora viajáss<strong>em</strong>os num imenso barco, tão<br />
gran<strong>de</strong> que até seria possível viver nele o resto <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> s<strong>em</strong> lhe ver proa<br />
ou popa. 290<br />
Tomados <strong>em</strong> conjunto, os trechos acima pod<strong>em</strong> ser con<strong>de</strong>nsados no papel<br />
t<strong>em</strong>ático <strong>de</strong>s<strong>em</strong>penhado pela península. As figuras ali presentes, ao mesmo t<strong>em</strong>po<br />
que r<strong>em</strong>et<strong>em</strong> à conquista dos mares por Portugal e Espanha na época do<br />
Renascimento, expressam o <strong>de</strong>sejo e a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>em</strong>preen<strong>de</strong>r novos<br />
<strong>de</strong>scobrimentos. Repare-se nas expressões que suger<strong>em</strong> uma retoma<strong>da</strong> <strong>da</strong>s<br />
navegações: “aponta ao mar outra vez <strong>de</strong>sconhecido”, “novamente fen<strong>de</strong>ndo as<br />
on<strong>da</strong>s do Atlântico”. Uma viag<strong>em</strong> <strong>de</strong>sse tipo, meio às cegas − “que almirante nos<br />
guia [?]”, “que porto nos espera [?]” −, não se realiza evi<strong>de</strong>nt<strong>em</strong>ente s<strong>em</strong> riscos. O<br />
perigo aqui é representado pelo “<strong>de</strong>stino <strong>da</strong> Atlânti<strong>da</strong>”, terra que teria sido a<br />
concretização <strong>da</strong> “i<strong>da</strong><strong>de</strong> do ouro” <strong>da</strong> civilização humana, localiza<strong>da</strong>, <strong>de</strong> acordo com<br />
relato <strong>de</strong> Platão, <strong>em</strong> algum ponto do Oceano Atlântico, entre Europa e América, e<br />
que teria afun<strong>da</strong>do como conseqüência <strong>da</strong> própria <strong>de</strong>cadência.<br />
Mas o que a “janga<strong>da</strong> <strong>de</strong> <strong>pedra</strong>” almeja, ou melhor, o que esta “massa <strong>de</strong><br />
<strong>pedra</strong> e terra coberta <strong>de</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s, al<strong>de</strong>ias, rios, bosques, fábricas, matos bravios,<br />
campos cultivados, com a sua gente e os seus animais” tenta é encontrar seu<br />
caminho <strong>de</strong> auto<strong>de</strong>terminação. Trata-se <strong>de</strong> uma busca inspira<strong>da</strong> por promessas <strong>de</strong><br />
glórias não cumpri<strong>da</strong>s no passado: as do sonho sebastianista − “à procura <strong>de</strong><br />
287 Ibid<strong>em</strong>, p. 61.<br />
288 Ibid<strong>em</strong>, pp. 88-9.<br />
289 Ibid<strong>em</strong>, p. 130.<br />
290 Ibid<strong>em</strong>, p. 131.