A reconstrução da identidade em A jangada de pedra, de José ...
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[...] Por ex<strong>em</strong>plo, pareceu ficar d<strong>em</strong>onstrado que se os cães <strong>de</strong><br />
Cerbère [que eram mudos] ladraram foi porque Joana Car<strong>da</strong> riscou o<br />
chão com a vara <strong>de</strong> negrilho. 32<br />
E foi porque Joana Car<strong>da</strong> riscou o chão é que parece ter<strong>em</strong>-se rachado os<br />
Pireneus. Ela própria não <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ra esta hipótese.<br />
[...] Estava o pau ali no chão fiz um risco com ele, se por tê-lo feito<br />
é que estas coisas acontec<strong>em</strong>, qu<strong>em</strong> sou eu para o jurar, o que é preciso<br />
é ir lá ver. 33<br />
Joaquim Sassa é qu<strong>em</strong> <strong>em</strong> algum momento chega a questionar, pela voz do<br />
narrador, a ligação entre os eventos individuais e o fato coletivo, porém seu<br />
pensamento resta inconcluso:<br />
[...] era a vez <strong>de</strong> Joaquim Sassa duvi<strong>da</strong>r. De súbito, por iluminação<br />
do dia novo ou efeito <strong>da</strong> noite má conselheira, todos estes episódios lhe<br />
pareciam absurdos, não podia ser ver<strong>da</strong><strong>de</strong> partir-se um continente por<br />
alguém ter atirado uma <strong>pedra</strong> ao mar, maior a <strong>pedra</strong> do que as forças que a<br />
lançaram, mas era ver<strong>da</strong><strong>de</strong> incontroversa ter sido atira<strong>da</strong> essa <strong>pedra</strong> e<br />
ter-se partido esse continente, e um espanhol diz que sente a terra<br />
tr<strong>em</strong>er, e um bando <strong>de</strong> pássaros doidos não larga um professor<br />
português, e sabe-se lá o que mais aconteceu ou estará para acontecer<br />
por essa península além. 34<br />
O que aconteceu foi que um pé-<strong>de</strong>-meia, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o momento <strong>em</strong> que começou<br />
a ser <strong>de</strong>smanchado por Maria Guavaira, não parou mais <strong>de</strong> soltar seu fio <strong>de</strong> lã azul,<br />
que enche um quarto inteiro na casa <strong>de</strong>ssa mulher.<br />
Infere-se, portanto, uma relação <strong>de</strong> pressuposição recíproca entre a<br />
manipulação que /faz fazer/ o sujeito coletivo e aquela exerci<strong>da</strong> sobre os sujeitos<br />
individuais. Ou seja, se por um lado a soma dos eventos insólitos ocorridos <strong>em</strong> nível<br />
pessoal caracteriza-se como o <strong>de</strong>stinador-manipulador do rompimento dos Pireneus,<br />
32 A janga<strong>da</strong> <strong>de</strong> <strong>pedra</strong>, pp. 12-3.<br />
33 Ibid<strong>em</strong>, p. 119.<br />
34 Ibid<strong>em</strong>, p. 72.<br />
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