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A reconstrução da identidade em A jangada de pedra, de José ...

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<strong>de</strong> outras vozes, mesmo que não haja marcas gramaticais <strong>de</strong> citação, a qual neste<br />

caso estaria subjacente.<br />

Para melhor d<strong>em</strong>arcar a diferença entre essas duas instâncias, Ducrot dá o<br />

nome <strong>de</strong> locutor ao ser a qu<strong>em</strong> se <strong>de</strong>ve imputar a responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> do enunciado; a<br />

qu<strong>em</strong> refere o pronome eu e as outras marcas <strong>da</strong> primeira pessoa. Esse locutor<br />

po<strong>de</strong> ser distinto do autor <strong>em</strong>pírico do enunciado, ou enunciador. Porém, neste<br />

ponto, é preciso esclarecer um probl<strong>em</strong>a <strong>de</strong> natureza terminológica. Para os<br />

s<strong>em</strong>ioticistas greimasianos, o termo locutor <strong>de</strong>signa a fonte enunciativa responsável<br />

por um <strong>da</strong>do enunciado incorporado no enunciado <strong>de</strong> outr<strong>em</strong>. Assim, o locutor<br />

jamais diz eu. O locutor é a voz <strong>de</strong> outr<strong>em</strong> que ressoa num enunciado <strong>de</strong> um<br />

narrador ou <strong>de</strong> um interlocutor, estes sim são instâncias que tomam a palavra, que<br />

falam, que diz<strong>em</strong> eu. É nesta acepção que se utiliza no presente trabalho o termo<br />

locutor.<br />

Repare-se como o narrador, fazendo ouvir − subjacente a sua própria voz − a<br />

voz <strong>de</strong> um locutor coletivo, ironiza os preceitos morais <strong>de</strong> to<strong>da</strong> uma comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>. O<br />

fragmento abaixo é relativo ao momento <strong>em</strong> que Joana Car<strong>da</strong> <strong>de</strong>ve comunicar aos<br />

parentes sua <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> viajar.<br />

[...] E por falar <strong>de</strong> Joana Car<strong>da</strong>, ain<strong>da</strong> falta sua bagag<strong>em</strong>, e mais,<br />

antes <strong>de</strong> chegar a arrumá-la [...] é preciso [...] explicar aos primos a súbita<br />

parti<strong>da</strong>, mas não pod<strong>em</strong> aparecer à porta <strong>da</strong> casa três homens [<strong>José</strong><br />

Anaiço, Joaquim Sassa, Pedro Orce], Dois Cavalos e um cão, Vou com<br />

eles, seria a voz <strong>da</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong> inocente, mas uma mulher que há pouco<br />

t<strong>em</strong>po se separou do marido não <strong>de</strong>ve <strong>da</strong>r mais razões ao mundo,<br />

sobretudo neste meio pequeno como é Ereira, uma al<strong>de</strong>ia, as gran<strong>de</strong>s<br />

rupturas estão b<strong>em</strong> para a capital e ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s importantes, e mesmo<br />

assim só Deus sabe com que lutas e trabalhos <strong>de</strong> corpo e sentimento. 212<br />

De outro modo, o discurso relatado é a citação, pelo narrador, do discurso <strong>de</strong><br />

outr<strong>em</strong>. Mas é mais do que isto. Segundo Bakhtin 213 , o discurso citado é o discurso<br />

no discurso, a enunciação na enunciação, mas é, ao mesmo t<strong>em</strong>po, um discurso<br />

212 A janga<strong>da</strong> <strong>de</strong> <strong>pedra</strong>, p.147.<br />

213 BAKHTIN Mikhail. Marxismo e filosofia <strong>da</strong> linguag<strong>em</strong>. Trad. Michel Lahud e Yara Frateschi<br />

Vieira. 7.ed., São Paulo, Hucitec, 1995, pp. 139-96.<br />

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