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A reconstrução da identidade em A jangada de pedra, de José ...

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As exclamações “meu Deus, meu Deus”, tanto pod<strong>em</strong> ser compreendi<strong>da</strong>s<br />

como do próprio narrador quanto dos ricos e po<strong>de</strong>rosos, uma vez que não há<br />

d<strong>em</strong>arcação limítrofe entre o discurso citante e o citado.<br />

O ex<strong>em</strong>plo abaixo ilustra o tipo a que Bakhtin dá o nome <strong>de</strong> discurso direto<br />

substituído, que ocorre quando narrador apresenta-se no lugar <strong>da</strong> sua personag<strong>em</strong>,<br />

diz <strong>em</strong> seu lugar o que ela po<strong>de</strong>ria ou <strong>de</strong>veria dizer; o que convém dizer:<br />

[...] Se a Joana Car<strong>da</strong> alguém vier a perguntar que i<strong>de</strong>ia fora aquela<br />

sua <strong>de</strong> riscar o chão com um pau [...] talvez ela respon<strong>da</strong>, Não sei o que<br />

me aconteceu, o pau estava no chão, agarrei-o e fiz o risco, N<strong>em</strong> lhe<br />

passou pela i<strong>de</strong>ia que po<strong>de</strong>ria ser uma varinha <strong>de</strong> condão, Para varinha <strong>de</strong><br />

condão pareceu-me gran<strong>de</strong> [...] Sabia que a vara era <strong>de</strong> negrilho, Eu <strong>de</strong><br />

árvores conheço pouco [...] mas, para o caso, estou que um pau <strong>de</strong><br />

fósforo teria causado o mesmo efeito, Por que diz isso, O que t<strong>em</strong> <strong>de</strong><br />

ser, t<strong>em</strong> <strong>de</strong> ser, e t<strong>em</strong> muita força, não se po<strong>de</strong> resistir-lhe, mil vezes o<br />

ouvi à gente mais velha, Acredita na fatali<strong>da</strong><strong>de</strong>, Acredito no que t<strong>em</strong> <strong>de</strong><br />

ser. 223<br />

O diálogo é claramente hipotético. É o narrador qu<strong>em</strong> dá as respostas que<br />

Joana Car<strong>da</strong> possivelmente <strong>da</strong>ria (“talvez ela respon<strong>da</strong>”).<br />

No processo <strong>de</strong> citação do discurso alheio, <strong>em</strong> A janga<strong>da</strong> <strong>de</strong> <strong>pedra</strong>, utiliza-se<br />

ain<strong>da</strong> o chamado discurso indireto livre. No discurso indireto livre, o narrador <strong>de</strong>lega<br />

a palavra à personag<strong>em</strong> por meio <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>breag<strong>em</strong> enunciativa <strong>de</strong> segundo grau<br />

e, <strong>em</strong> segui<strong>da</strong>, realiza uma <strong>em</strong>breag<strong>em</strong> enunciva <strong>de</strong> segundo grau, que promove a<br />

neutralização entre a primeira e terceira pessoas <strong>em</strong> benefício <strong>de</strong>sta última.<br />

Conforme diz Maingueneau 224 , encontram-se misturados no discurso indireto<br />

livre el<strong>em</strong>entos que, <strong>em</strong> geral, se consi<strong>de</strong>ram disjuntos: a dissociação dos dois atos<br />

<strong>de</strong> enunciação, característica do discurso direto, e a per<strong>da</strong> <strong>de</strong> autonomia dos<br />

<strong>em</strong>breantes do discurso citado, características do discurso indireto.<br />

Com efeito, o discurso indireto livre é uma forma mista <strong>de</strong> narração e<br />

reprodução literal do discurso alheio, que apresenta traços do discurso direto e<br />

traços do discurso indireto, ou seja, apresenta um caráter diegético e mimético ao<br />

223 Ibid<strong>em</strong>, p. 8.<br />

224 MAINGUENEAU, Dominique. El<strong>em</strong>entos <strong>de</strong> lingüística para o texto literário. Trad. Maria<br />

Augusta <strong>de</strong> Matos. São Paulo, Martins Fontes, 1996, p. 116.<br />

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