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A reconstrução da identidade em A jangada de pedra, de José ...

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Outro ex<strong>em</strong>plo <strong>de</strong> <strong>em</strong>breag<strong>em</strong> actancial (interna, neste caso) po<strong>de</strong> ser<br />

verificado no fragmento abaixo <strong>em</strong> que o eu é substituído por um tu.<br />

[...] Joaquim Sassa [...] saiu para <strong>de</strong>sentorpecer as pernas e<br />

refrescar o pensamento, que no entanto não soube ser bom conselheiro,<br />

propôs-lhe uma irregulari<strong>da</strong><strong>de</strong>, Ficas aí numa ci<strong>da</strong><strong>de</strong> mais populosa, que<br />

têm <strong>de</strong>ssas comodi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, procuras uma casa <strong>de</strong> putas, passas a noite<br />

com uma <strong>de</strong>las, <strong>de</strong>scansa que não te ped<strong>em</strong> o bilhete <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

assim pagues, e se não te apetecer recrear a carne, com as<br />

preocupações que tens, ao menos po<strong>de</strong>rás dormir, se calhar até fica<br />

mais barato que o hotel, Absurdo respon<strong>de</strong>u Joaquim Sassa à proposta, a<br />

solução será dormir no automóvel, aí num caminho retirado, E se te<br />

aparec<strong>em</strong> uns val<strong>de</strong>vinos, uns vagabundos, uns ciganos, se te assaltam e<br />

roubam, se te matam, Estas terras são sossega<strong>da</strong>s, E se v<strong>em</strong> aí um<br />

incendiário <strong>de</strong> ofício ou <strong>de</strong> mania <strong>de</strong>itar fogo aos pinhais, estamos no<br />

t<strong>em</strong>po <strong>de</strong>les, ficas cercado pelas chamas, e morres queimado, que <strong>de</strong>ve<br />

ser a pior <strong>da</strong>s mortes, segundo tenho ouvido dizer, l<strong>em</strong>bra-te dos mártires<br />

<strong>da</strong> inquisição, Absurdo, tornou a dizer Joaquim Sassa, está <strong>de</strong>cidido,<br />

durmo no carro, e o pensamento calou-se, cala-se s<strong>em</strong>pre quando a<br />

vonta<strong>de</strong> é firme.[...] Até posso dormir ao relento, com o calor que faz, a<br />

esta i<strong>de</strong>ia não respon<strong>de</strong>u o pensamento, mas <strong>de</strong>saprova (p.52-3). 90<br />

Há primeiramente duas <strong>de</strong>breagens enuncivas, por meio <strong>da</strong>s quais são<br />

instalados no enunciado a personag<strong>em</strong> Joaquim Sassa e o pensamento <strong>da</strong> mesma<br />

personag<strong>em</strong>. Ao lançar mão <strong>de</strong>sse expediente, o enunciador cria um efeito <strong>de</strong><br />

divisão <strong>em</strong> duas instâncias enunciativas <strong>da</strong> personag<strong>em</strong>, que mantém um “diálogo<br />

interior”. É no discurso direto, manifestado neste diálogo, que se observa a<br />

instalação, por meio <strong>de</strong> <strong>de</strong>breag<strong>em</strong> interna enunciativa, do sujeito tu. Mas esse tu,<br />

na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, trata-se <strong>de</strong> um eu, <strong>em</strong> <strong>de</strong>corrência <strong>da</strong> neutralização <strong>da</strong> oposição entre<br />

esses dois termos, verifica<strong>da</strong> no retorno à instância enunciativa do diálogo, opera<strong>da</strong><br />

pela <strong>em</strong>breag<strong>em</strong> <strong>de</strong> segundo grau actancial enunciativa. Dessa forma, a<br />

<strong>em</strong>breag<strong>em</strong> <strong>de</strong>sreferencializa o enunciado que ela afeta. No trecho acima, por<br />

ex<strong>em</strong>plo, a <strong>em</strong>breag<strong>em</strong> faz com que Joaquim Sassa fale consigo próprio como se<br />

90 A janga<strong>da</strong> <strong>de</strong> <strong>pedra</strong>, pp. 52-3.<br />

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