Blogs íntimos: percursos no contexto discursivo do meio - ECA-USP
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sem dúvida alguma, o interesse crescente está <strong>no</strong> fato de que estamos viven<strong>do</strong> um<br />
momento privilegia<strong>do</strong> de questionamentos, problematização de tu<strong>do</strong> o que parece<br />
preestabeleci<strong>do</strong> e plenamente justifica<strong>do</strong>, momento de incertezas e de dúvidas inclusive<br />
quanto à(s) <strong>no</strong>ssa(s) identidades(s) – individual, sexual, social, étnica, nacional<br />
– cujos limites são flui<strong>do</strong>s e fugidios: perguntamo-<strong>no</strong>s a to<strong>do</strong> momento quem somos,<br />
qual a razão de <strong>no</strong>ssas vidas, por que agimos desta e não daquela maneira, por que<br />
escolhemos esta ou aquela profissão (Coracini, 2003:13).<br />
Como conseqüência desse duplo deslocamento fala-se em identidade fragmentada.<br />
É importante mencionar as derivadas teóricas <strong>do</strong> uso <strong>do</strong> termo identidade<br />
fragmentada, como se as identidades dessem lugar a <strong>no</strong>vas e diversas identidades,<br />
a sujeitos estilhaça<strong>do</strong>s em detrimento de um sujeito unifica<strong>do</strong>, parte de um amplo<br />
processo de mudanças sociais e estruturais, agitan<strong>do</strong> as ancoragens estáveis sobre<br />
as quais o indivíduo se apoiava.<br />
Estu<strong>do</strong>s da cibercultura buscam uma correspondência direta entre o sujeito<br />
fragmenta<strong>do</strong> e o <strong>discursivo</strong>, como se o indivíduo se fragmentasse em milhares de<br />
partes, destituí<strong>do</strong> de qualquer <strong>no</strong>ção de unidade, em função de uma concepção de<br />
sujeito marca<strong>do</strong> pela alteridade. Muitos teóricos interpretaram o termo identidade<br />
fragmentada como se o indivíduo contemporâneo estivesse se desintegran<strong>do</strong>, tanto<br />
fisica quanto psiquicamente. As virtualizações <strong>do</strong> corpo, de que fala Pierre Lévy<br />
devem ser interpretadas como uma metáfora teórica, pois, apesar de ser retalha<strong>do</strong><br />
por um raio-X, o indivíduo ainda consegue pensar em seu corpo físico como algo<br />
integra<strong>do</strong>, <strong>do</strong> qual faz parte a cabeça, o tronco e os membros.<br />
No entanto, se o sujeito ainda tem uma imagem relativamente unificada de si<br />
desde seu nascimento até sua morte, essa condição se deve única e exclusivamente<br />
ao fato de construir uma cômoda estória sobre si mesmo ou uma conforta<strong>do</strong>ra narrativa<br />
<strong>do</strong> eu. Sen<strong>do</strong> assim, uma identidade unificada é apenas fantasia, que possibilita<br />
ao sujeito crer <strong>no</strong> simulacro que constrói de si e <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> em que vive.<br />
IV.2 - OSCILAçõES ENuNCIAtIVAS<br />
No diário virtual All Made of Stars, o enuncia<strong>do</strong>r é aquele que diz eu, logo <strong>no</strong><br />
início <strong>do</strong> post:<br />
Hoje<br />
Esta <strong>no</strong>ite eu tive <strong>do</strong>is sonhos.<br />
Acordei com so<strong>no</strong> e cumprimentei o dia com um sorriso de soslaio.<br />
Hoje eu lavei e sequei o cabelo, eu fiz café, esquentei o queijo e pus <strong>no</strong> pão. Eu<br />
tomei meu chá e escovei os dentes, saí prá rua e senti o vento frio da manhã<br />
agitar meus cabelos e me cortar os lábios. Um desconheci<strong>do</strong> me deu bom dia e<br />
um sorriso de brinde, e eu sorri de volta.<br />
...<br />
Hoje eu respirei melhor. Comi me<strong>no</strong>s soja e mais massa <strong>no</strong> vegetaria<strong>no</strong> da<br />
coreana, tomei água e não suco e comi sobremesa. Hoje eu respeitei meu corpo.<br />
Mas hoje eu também sofri.<br />
IDENtIFICAçõES E SuBjEtIVAçõES CONtEMPORâNEAS | 113