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Blogs íntimos: percursos no contexto discursivo do meio - ECA-USP

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não teve dúvidas. Companheiro de todas as horas, Bidu estava absorven<strong>do</strong> o<br />

esta<strong>do</strong> de espírito e copian<strong>do</strong> os comportamentos de sua <strong>do</strong>na. Diagnóstico feito,<br />

ela foi a uma farmácia de manipulação e pediu um medicamento pra acalmar<br />

o cachorro. Saiu de lá com um spray que borrifa <strong>no</strong> focinho de Bidu duas vezes<br />

por dia e está satisfeita com os resulta<strong>do</strong>s. O cão voltou a ser o que era. E ela<br />

própria?, pergunto. Está mais calma? Renata responde que, por enquanto, não.<br />

Continua conviven<strong>do</strong> com <strong>do</strong>ses gigantescas de ansiedade. Mas, <strong>no</strong> mesmo dia<br />

em que o Bidu começou seu tratamento, ela foi a um terapeuta que prescreveu<br />

a ela acupuntura e florais de Bach. As sessões de acupuntura nem sempre dá<br />

pra fazer, por causa das viagens, mas os florais não saem mais de sua bolsa.<br />

Agora é esperar até fazer efeito, Renata diz, com um tom que mistura esperança<br />

e desânimo em proporções iguais. Resisto à tentação de sugerir o quase<br />

impensável: que ela experimente o remédio que devolveu ao Bidu o equilíbrio<br />

e a calma. Mas tenho certeza que é só uma questão de tempo até minha<br />

companheira de viagem pensar nessa possibilidade. Ou talvez o próprio Bidu,<br />

quem sabe? No mun<strong>do</strong> das mulheres, tu<strong>do</strong> é possível - até um cachorro e sua<br />

<strong>do</strong>na, de comum acor<strong>do</strong>, compartilharem um remédio manipula<strong>do</strong>.<br />

O verbo introdutor revelar <strong>no</strong> trecho Conversa vai, conversa vem, nós duas falan<strong>do</strong><br />

sobre o quanto as mulheres andam estressadas, e a Renata me revela que anda tão ansiosa,<br />

mas tão ansiosa, que man<strong>do</strong>u manipular um calmante pro seu cachorro, que - segun<strong>do</strong><br />

ela - está sen<strong>do</strong> afeta<strong>do</strong> por seu esta<strong>do</strong> emocional indica o ato de enunciar, além<br />

de dar algumas informações sobre esse ato de dizer. Revelar é um verbo descritivo,<br />

pois especifica “o mo<strong>do</strong> de realização fônica <strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong>” (Fiorin, 2006a: 79),<br />

impon<strong>do</strong> ao enunciatário a visão <strong>do</strong> narra<strong>do</strong>r, levan<strong>do</strong>-o a acreditar <strong>no</strong> dito como<br />

uma revelação a respeito da personalidade da colega. A repetição da palavra ansiosa<br />

(tão ansiosa, mas tão ansiosa) indica uma tentativa <strong>do</strong> narra<strong>do</strong>r em reproduzir a fala<br />

na situação de enunciação. Tal tentativa confirma-se pelo emprego da expressão<br />

Segun<strong>do</strong> ela, entre parágrafos, um caso claro de modalização em discurso segun<strong>do</strong><br />

(termo de Authier-Revuz para <strong>no</strong>mear o discurso relata<strong>do</strong>), marcan<strong>do</strong> que o enuncia<strong>do</strong>r<br />

não é o responsável por tal enuncia<strong>do</strong>.<br />

No trecho a seguir, o enuncia<strong>do</strong>r simula um diálogo entre o narra<strong>do</strong>r e a colega.<br />

Em determina<strong>do</strong> momento, o narra<strong>do</strong>r mimetiza seu questionamento à colega, e<br />

coloca a pergunta feita em formato de discurso direto (E ela própria?, pergunto. Está<br />

mais calma?), como se desejasse passar ao enunciatário um efeito de realidade ao<br />

interrogar a colega. Logo a seguir, <strong>no</strong> entanto, o narra<strong>do</strong>r recoloca-se em seu lugar<br />

de costume, ou seja, a posição de redator <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> dito, empregan<strong>do</strong> o verbo<br />

introdutor descritivo responder e indican<strong>do</strong> uma cro<strong>no</strong>logia discursiva.<br />

Saiu de lá com um spray que borrifa <strong>no</strong> focinho de Bidu duas vezes por dia e<br />

está satisfeita com os resulta<strong>do</strong>s. O cão voltou a ser o que era. E ela própria?,<br />

pergunto. Está mais calma? Renata responde que, por enquanto, não. Continua<br />

conviven<strong>do</strong> com <strong>do</strong>ses gigantescas de ansiedade. Mas, <strong>no</strong> mesmo dia em que<br />

o Bidu começou seu tratamento, ela foi a um terapeuta que prescreveu a ela<br />

acupuntura e florais de Bach. As sessões de acupuntura nem sempre dá pra<br />

fazer, por causa das viagens, mas os florais não saem mais de sua bolsa. Agora<br />

é esperar até fazer efeito, Renata diz, com um tom que mistura esperança e<br />

desânimo em proporções iguais.<br />

É interessante observar a pre<strong>do</strong>minância <strong>do</strong> discurso indireto em um post de<br />

conteú<strong>do</strong> extremamente polêmico, que aborda a condição feminina na sociedade.<br />

124 | BLOgS ÍNtIMOS: PERCuRSOS DE SENtIDO NO CONtEXtO DISCuRSIVO DO MEIO DIgItAL

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