Blogs íntimos: percursos no contexto discursivo do meio - ECA-USP
Blogs íntimos: percursos no contexto discursivo do meio - ECA-USP
Blogs íntimos: percursos no contexto discursivo do meio - ECA-USP
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
destacar a ancoragem espacial <strong>no</strong> suporte hipertextual. No texto seleciona<strong>do</strong>, o<br />
enuncia<strong>do</strong>r não fornece referências espaciais a respeito de seu enuncia<strong>do</strong>, pois<br />
supõe <strong>do</strong> destinatário a inferência de que o enuncia<strong>do</strong> tenha si<strong>do</strong> produzi<strong>do</strong> sempre<br />
a partir de um suporte hipertextual.<br />
Com relação aos dêiticos responsáveis por localizar a relação de interlocução<br />
presente <strong>no</strong> gênero trata<strong>do</strong>, é certa a referência ao enuncia<strong>do</strong>r. Orienta<strong>do</strong> por uma<br />
estrutura individual, isto é, pela pressuposição de que, inicialmente, apenas um sujeito<br />
se encarrega de produzir enuncia<strong>do</strong>s em cada diário virtual, a ancoragem actorial<br />
não se estabelece pela anunciação <strong>do</strong> <strong>no</strong>me desse autor, mas pela suposição de<br />
que este é implícito à organização textual processada em um suporte hipertextual.<br />
A explicitação <strong>do</strong> eu “que fala” é um traço acentua<strong>do</strong>, condicionan<strong>do</strong> marcas<br />
enunciativas actoriais em função deste eu como referência, que instala o “tu” <strong>no</strong><br />
enuncia<strong>do</strong>, que, por sua vez, consolida a presença <strong>do</strong> “eu”. Se, <strong>no</strong>s diários <strong>íntimos</strong><br />
tradicionais, este “tu” instala<strong>do</strong> <strong>no</strong> enuncia<strong>do</strong> é facultativo, ao contrário da carta<br />
íntima, sua presença <strong>no</strong> diário virtual íntimo é certa naqueles que possibilitam aos<br />
leitores a formulação de comentários.<br />
A comunicação de indivíduo a indivíduo (explicitada pelo vocativo inicial e pelo<br />
aspecto de correspondência privada), a enunciação mo<strong>no</strong>logal, a possibilidade ou<br />
mesmo a obrigação moral de uma resposta e o caráter únivoco <strong>do</strong> texto (o que o distingue<br />
<strong>do</strong> impresso), marcas da cena genérica autobiográfica, não são encontradas<br />
na cena genérica <strong>do</strong>s diários virtuais <strong>íntimos</strong>.<br />
Por outro la<strong>do</strong>, o caráter diferi<strong>do</strong> da enunciação (o leitor lê o texto em uma situação<br />
que não coincide com a situação de sua produção), a presença da assinatura e<br />
um certo número de propriedades da conversação são características que podem ser<br />
facilmente detectadas nas cenas genéricas de ambos. A participação <strong>do</strong> narra<strong>do</strong>r <strong>no</strong><br />
acontecimento narra<strong>do</strong> também é uma marca de cartas (tradicionais) encontrada<br />
<strong>no</strong>s diários virtuais <strong>íntimos</strong>, acentuan<strong>do</strong> o efeito de senti<strong>do</strong> de subjetividade sobre<br />
o qual se constroem os discursos.<br />
No entanto, o outro, <strong>no</strong> diário virtual não está ausente. Pelo contrário, se faz<br />
presente <strong>no</strong>s comentários, endereça<strong>do</strong>s inicialmente ao enuncia<strong>do</strong>r, mas também<br />
disponível para leitura de outros. Presente constantemente <strong>no</strong> discurso proferi<strong>do</strong><br />
pelo autor, o papel <strong>do</strong> outro se torna ainda mais central <strong>no</strong>s diários virtuais <strong>íntimos</strong>,<br />
em função de seu caráter público.<br />
Se considerarmos o <strong>no</strong>me <strong>do</strong> diário virtual, somos capazes de deduzir que ele é<br />
produzi<strong>do</strong> por uma pessoa que se identifica por Zel como <strong>no</strong>me próprio, assertiva<br />
que pode se mostrar falsa, ao longo das leituras de outras publicações <strong>no</strong> mesmo<br />
diário virtual. No entanto, é fácil distinguir elementos que remontam à identidade<br />
dessa autoria: os gostos, as opiniões e sua rede de laços e contatos interpessoais<br />
(fornecida pelos links laterais).<br />
uMA PERSPECtIVA DISCuRSIVA DE gêNERO<br />
Ao orientar a tipologia <strong>do</strong>s gêneros <strong>do</strong> discurso, diversas vertentes teóricas podem<br />
constituir o corpus de mo<strong>do</strong> diverso, priorizan<strong>do</strong> ora os funcionamentos lingüísticos,<br />
ora as situações de comunicação. No entanto, é importante partir da definição <strong>do</strong><br />
diário como gênero <strong>do</strong> discurso, para então observar qual a importância da virtualização<br />
e digitalização das informações <strong>no</strong> diário, se determinantes ou constitutivas,<br />
ou seja, buscan<strong>do</strong> refutar ou defender o gênero <strong>do</strong> diário virtual íntimo como semelhante<br />
ao diário íntimo tradicional, mas em versão digital, ou como um gênero<br />
emergente, ainda que com características peculiares que o permitem diferir <strong>do</strong>s<br />
diários tradicionais.<br />
PERCuRSOS DE SENtIDO NO LABIRINtO HIPERtEXtuAL | 73