Blogs íntimos: percursos no contexto discursivo do meio - ECA-USP
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Quan<strong>do</strong> Chartier (2002) afirma que a leitura diante da tela é geralmente descontínua<br />
e que, em função <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> eletrônico, propõe-se uma <strong>no</strong>va técnica de<br />
difusão da escrita, incita uma <strong>no</strong>va relação com os textos e impõe-lhes uma <strong>no</strong>va<br />
forma de inscrição, ele não está afirman<strong>do</strong> que o senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> texto se modifica por<br />
que aporta<strong>do</strong> em um suporte hipertextual, mas que seu mo<strong>do</strong> de circulação e consumo<br />
foi altera<strong>do</strong>, pois não se pode mais tratar o texto eletrônico como um livro<br />
tradicional, <strong>no</strong> qual se faz a<strong>no</strong>tações, por exemplo. Ou seja, a leitura não atribui<br />
outros conteú<strong>do</strong>s ao texto. Segun<strong>do</strong> Possenti,<br />
Penso que a questão da mudança de senti<strong>do</strong> produzi<strong>do</strong> pela diferença de suporte<br />
passa longe da questão da decifração de um texto, da descoberta de seu tema, de suas<br />
relações intertextuais e, evidentemente, ainda mais longe <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> como sen<strong>do</strong> a<br />
intenção, dada a conhecer direta ou indiretamente, de uma autor individual identificável,<br />
como se o autor fosse o locutor que está a <strong>no</strong>ssa frente num bar, falan<strong>do</strong> de<br />
bebidas típicas ou de preferências eleitorais (Possenti, 2002: 209).<br />
Assim, nem sempre a mudança de suporte altera o texto e seu senti<strong>do</strong>, ou seja,<br />
nem to<strong>do</strong> texto digitaliza<strong>do</strong> pode ser toma<strong>do</strong> indistintamente como um hipertexto.<br />
Também, levan<strong>do</strong> em consideração a falsa dicotomia Virtual vs. Atual e a <strong>no</strong>ção de<br />
hipertexto como potencialização <strong>do</strong> texto, propostas por Lévy, mesmo textos nãodigitais<br />
podem já ser hipertextuais, como uma enciclopédia, por exemplo. O suporte<br />
digital, contu<strong>do</strong>, promove uma ruptura na ordem <strong>do</strong> discurso, ao fazer emergir uma<br />
<strong>no</strong>va forma de inscrição que oculta o suporte material como instância de referência<br />
para a determinação <strong>do</strong> texto em um da<strong>do</strong> gênero <strong>discursivo</strong> e assim, simplificar a<br />
compreensão <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> por parte <strong>do</strong> leitor.<br />
Defende-se que a Internet subverte a ordem <strong>do</strong> discurso tradicional <strong>do</strong> mun<strong>do</strong><br />
impresso, contu<strong>do</strong>, não se pode afirmar acriticamente que essa pluralidade de<br />
senti<strong>do</strong>s possibilitada pela interconexão generalizada esteja presente em todas as<br />
páginas da Internet. Algumas páginas, apesar de estarem aportadas <strong>no</strong> suporte hipertextual,<br />
não possuem todas as características ditas hipertextuais, ou seja, nem<br />
to<strong>do</strong> texto digitaliza<strong>do</strong> é um hipertexto.<br />
Também, trata-se de questionar a proposição de Lévy de que o hipertexto permitiria<br />
uma multiplicação <strong>do</strong>s <strong>contexto</strong>s de produção de senti<strong>do</strong>, enriquecen<strong>do</strong> a<br />
leitura. Para ele, “o suporte digital permite <strong>no</strong>vos tipos de leituras (e de escritas)<br />
coletivas”. Essa <strong>no</strong>ção de que a leitura e a escrita <strong>no</strong> hipertexto se confundem é<br />
muitas vezes utiliza<strong>do</strong>s por entusiastas das tec<strong>no</strong>logias para afirmar que a Internet<br />
seria um fator de promoção da democracia na contemporaneidade.<br />
III.4 – DIáRIOS NA REDE?<br />
A problemática das rupturas <strong>do</strong> texto digital quan<strong>do</strong> empregada para pensar as<br />
formas narrativas autobiográficas na rede hipertextual conduz à discussão <strong>do</strong> estatuto<br />
de diário que os blogs podem adquirir. Consideran<strong>do</strong> que o objeto de pesquisa<br />
aqui estuda<strong>do</strong> engendra um conteú<strong>do</strong> temático semelhante ao das narrativas<br />
autobiográficas, dentre elas os diários <strong>íntimos</strong> tradicionais, nada mais importante<br />
que aprofundar as relações de gênero entre os diários virtuais <strong>íntimos</strong> e os diários<br />
<strong>íntimos</strong> tradicionais.<br />
A inscrição histórica <strong>do</strong>s enuncia<strong>do</strong>s condiciona o enuncia<strong>do</strong>r a filiar-se semanticamente<br />
a determinada posição enunciativa, <strong>do</strong>minan<strong>do</strong> um sistema de regras que<br />
tornam possíveis tais posicionamentos. Definida a “rede semântica que circunscreve<br />
a especificidade de um discurso” (Maingueneau, 2008: 55) como um espaço<br />
66 | BLOgS ÍNtIMOS: PERCuRSOS DE SENtIDO NO CONtEXtO DISCuRSIVO DO MEIO DIgItAL