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Blogs íntimos: percursos no contexto discursivo do meio - ECA-USP

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ço <strong>do</strong> aqui, ou seja, da cena da enunciação. No entanto, o advérbio de lugar aqui, em<br />

Não posso estar lá e tampouco consigo estar aqui, conserva uma ambigüidade, pois, <strong>no</strong><br />

pla<strong>no</strong> de conteú<strong>do</strong>, assinala o espaço lingüístico <strong>do</strong> eu e <strong>no</strong> pla<strong>no</strong> da expressão assinala<br />

uma posição <strong>no</strong> interior <strong>do</strong> texto que remete diretamente ao ato da escrita <strong>no</strong> blog.<br />

Essa ambigüidade torna-se ainda mais explícita <strong>no</strong> parágrafo seguinte, em que<br />

o enuncia<strong>do</strong>r decreta uma pausa na regularidade de publicação de posts <strong>no</strong> blog<br />

(Então o blog entra em hiato por tempo indetermina<strong>do</strong>…). Assim, esse aqui está<br />

relaciona<strong>do</strong> ao espaço de onde parte a escrita, ou seja, mais diretamente, à interface<br />

com a qual o usuário interage, e, por esse motivo, trata-se de uma debreagem<br />

enunciativa da enunciação, “quan<strong>do</strong> se projeta <strong>no</strong> enuncia<strong>do</strong> o espaço de onde fala<br />

o enuncia<strong>do</strong>r” (Fiorin, 2006a: 291).<br />

A alusão a essa interface remete diretamente a uma das principais propriedades <strong>do</strong><br />

ciberespaço: seu caráter espacial. A própria interface <strong>do</strong> computa<strong>do</strong>r alude diretamente<br />

a um espaço físico, como uma mesa tradicional onde estão dispostas pilhas de <strong>do</strong>cumentos<br />

(os ícones), canetas (o mouse) e com o qual se pode interagir fisicamente:<br />

Os <strong>no</strong>vos ambientes digitais caracterizam-se pela capacidade de representar espaços<br />

navegáveis. Os <strong>meio</strong>s lineares, como livros e filmes, retratam espaços tanto pela descrição<br />

verbal quanto pela imagem, mas apenas os ambientes digitais apresentam um<br />

espaço pelo qual podemos <strong>no</strong>s mover. (Murray, 2003: 84)<br />

A possibilidade de navegação, exclusiva <strong>do</strong> ambiente digital, favorece, por <strong>meio</strong><br />

da interação na leitura, a atualização <strong>do</strong>s espaços <strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong> pelo enunciatário.<br />

Uma debreagem enunciativa da enunciação (Não posso estar lá e tampouco consigo<br />

estar aqui) permite que o enuncia<strong>do</strong>r projete <strong>no</strong> enuncia<strong>do</strong> o espaço de onde parte<br />

a enunciação, referin<strong>do</strong>-se ao espaço <strong>do</strong> blog, dentro <strong>do</strong> ciberespaço <strong>no</strong> qual autor<br />

e leitor interagem. Esses espaços (<strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong> e da enunciação) coincidentes na<br />

tela <strong>do</strong> computa<strong>do</strong>r exibem “uma história que é também um lugar. O bater da porta<br />

<strong>do</strong> calabouço atrás de você (não importa se o ambiente é descrito com palavras ou<br />

imagens) é um momento de vivência dramática só possível <strong>no</strong> <strong>meio</strong> digital” (Murray,<br />

2003: 86), dada sua propriedade interativa.<br />

A atualização pela leitura e a interatividade pelos comentários, especificidade<br />

<strong>do</strong>s diários virtuais <strong>íntimos</strong> <strong>no</strong> ciberespaço conduz <strong>no</strong>vamente à problemática da<br />

enunciação em um ambiente hipertextual. A comunhão de um mesmo espaço, <strong>do</strong><br />

blog e <strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong>, pelo autor e pelo leitor, favorece a exposição de uma intimidade<br />

controlada, conforme as necessidades de ambos.<br />

A proximidade limitada pelos aparatos técnicos da comunicação mediada por<br />

computa<strong>do</strong>r torna-se, portanto, uma característica que define a exclusividade <strong>do</strong>s<br />

diários virtuais <strong>íntimos</strong>. Eles supõem a existência de leitores, de um público assíduo,<br />

seja ele forma<strong>do</strong> por familiares, colegas, amigos ou desconheci<strong>do</strong>s e admite,<br />

por vez, o desejo <strong>do</strong> autor em ser reconheci<strong>do</strong> por seus escritos.<br />

As “máquinas de individualizar” em que os computa<strong>do</strong>res se transformaram são<br />

também instrumentos de uma sociabilidade controlada em que o enuncia<strong>do</strong>r, ao<br />

reconhecer sua especificidade interativa, incorpora certas imagens de si de acor<strong>do</strong><br />

com o imaginário social <strong>do</strong> que se espera de um bom diarista: um mun<strong>do</strong> construí<strong>do</strong><br />

de forma verossímil, marcada por dimensões espaciais e temporais advindas de<br />

um simulacro de realidade, mas pela não-presencialidade física, próximo de um<br />

estilo ficcional. A reflexão sobre a articulação entre ficção e realidade <strong>no</strong>s diários<br />

virtuais <strong>íntimos</strong>, embora não tenha si<strong>do</strong> desenvolvida nesse trabalho, configura um<br />

riquíssimo campo de investigação, a ser explora<strong>do</strong> em pesquisas posteriores.<br />

170 | BLOgS ÍNtIMOS: PERCuRSOS DE SENtIDO NO CONtEXtO DISCuRSIVO DO MEIO DIgItAL

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