Blogs íntimos: percursos no contexto discursivo do meio - ECA-USP
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pertextual esse ethos <strong>discursivo</strong> <strong>do</strong> amor moder<strong>no</strong> e corporifica<strong>do</strong>. No entanto, ao<br />
contrário <strong>do</strong> que se possa imaginar a respeito <strong>do</strong> tema “amor” <strong>no</strong>s diários virtuais<br />
<strong>íntimos</strong>, o enuncia<strong>do</strong>r não se apóia na publicidade <strong>do</strong> seu blog para enunciar um<br />
conteú<strong>do</strong> em forma de espetáculo de sua vida privada. As formas ideais de um<br />
relacionamento amoroso são expostas, mas de forma a preservar a intimidade <strong>do</strong>s<br />
amantes. É justamente por ter o enunciatário em mente as imagens de um enuncia<strong>do</strong>r<br />
pré-concebidas que esse enuncia<strong>do</strong>r apresenta um enuncia<strong>do</strong> que dá a ver o<br />
cotidia<strong>no</strong> amoroso <strong>do</strong> casal, nunca trabalha<strong>do</strong> de forma a espetacularizar o acontecimento<br />
da conjunção carnal.<br />
Escrito para serem li<strong>do</strong>s pelo outro, atualiza<strong>do</strong> na interface, o trecho demonstra<br />
a especificidade pública <strong>do</strong>s diários virtuais <strong>íntimos</strong>, cujo senti<strong>do</strong> não depende<br />
apenas <strong>do</strong> caráter que o enuncia<strong>do</strong>r deseja imprimir <strong>no</strong> enuncia<strong>do</strong>, mas também<br />
da incorporação desse corpo pelo enunciatário, constituin<strong>do</strong> um objeto construí<strong>do</strong><br />
para ser li<strong>do</strong> e re-construí<strong>do</strong> pela interatividade.<br />
V.4 - O tEMPO EStRAtIFICADO<br />
Já <strong>no</strong> trecho a seguir, de All made of stars, o enuncia<strong>do</strong>r transmite um ethos<br />
compatível com as condições de enunciação espaçiais e temporais características<br />
<strong>do</strong>s ambientes hipermediáticos.<br />
Oh, Blue Eyes<br />
Sexta-feira, <strong>meio</strong>-dia. Cruzamento da Avenida Angélica com a Rua Jaguaribe.<br />
Cansada, so<strong>no</strong>lenta, corren<strong>do</strong> pra encontrar o pai <strong>do</strong> qual an<strong>do</strong> mais distante<br />
<strong>do</strong> que gostaria, pacientes para atender e a amiga a me esperar em casa para<br />
pegar a estrada rumo à Terra <strong>do</strong> Nunca mais uma vez. Pensan<strong>do</strong> <strong>no</strong>s últimos<br />
acontecimentos, a festa <strong>do</strong> final de semana, a ligação recebida na <strong>no</strong>ite anterior,<br />
em minha futura viagem rumo aos confins <strong>do</strong> planeta Terra. Pensamentos que<br />
voavam como o vento, rápi<strong>do</strong>s, desconexos, para<strong>do</strong>xalmente contraditórios.<br />
Paralelamente ao momento de referência instala<strong>do</strong> <strong>no</strong> enuncia<strong>do</strong> relativo ao<br />
momento (dia e hora) de publicação <strong>do</strong> post, o enuncia<strong>do</strong>r explicita um segun<strong>do</strong><br />
momento de referência, uma sexta-feira, ao <strong>meio</strong>-dia, que anula a validade daquele<br />
primeiro momento e coloca-se como anterior ao momento de enunciação, implícito<br />
<strong>no</strong> enuncia<strong>do</strong>. Trata-se, portanto, de um sistema temporal enuncivo. Voavam<br />
explicita um momento <strong>do</strong> acontecimento simultâneo ao momento de referência<br />
pretérito. O imperfeito, nesse caso, contribui para a formação de um quadro contínuo,<br />
como uma descrição na qual a sucessividade não tem importância, pois os<br />
pensamentos são rápi<strong>do</strong>s, desconexos, para<strong>do</strong>xalmente contraditórios. O advérbio<br />
na <strong>no</strong>ite anterior comprova esse sistema enuncivo, marca<strong>do</strong> pela anterioridade em<br />
relação ao momento de enunciação. Como os acontecimentos são narra<strong>do</strong>s <strong>no</strong>s<br />
tempos enuncivos, trata-se de debreagens enuncivas <strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong>, como narrativas<br />
de retrospectiva, em que os acontecimentos são relata<strong>do</strong>s com tempos pertencentes<br />
ao subsistema <strong>do</strong> pretérito.<br />
O tempo, neste trecho, é figurativiza<strong>do</strong> pela metáfora <strong>do</strong> vôo e <strong>do</strong> vento, sugerin<strong>do</strong><br />
um investimento semântico da ordem da velocidade da passagem <strong>do</strong> tempo.<br />
Essa velocidade de movimentação sugere, <strong>no</strong> entanto, uma espacialização compacta<br />
demarcada pela pre<strong>do</strong>minância de uma isotopia figurativa em termos espaciais<br />
(corren<strong>do</strong>, rumo a) que tematiza um local em que o pensamento <strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong>r é<br />
156 | BLOgS ÍNtIMOS: PERCuRSOS DE SENtIDO NO CONtEXtO DISCuRSIVO DO MEIO DIgItAL