Blogs íntimos: percursos no contexto discursivo do meio - ECA-USP
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À capacidade desterritorializante da globalização, bem como da cibercultura corresponde<br />
uma força reterritorializante, que insere o sujeito em territórios marca<strong>do</strong>s<br />
e recoloca o enuncia<strong>do</strong>r na esfera da comunidade virtual da qual o seu blog faz parte.<br />
As comunidades virtuais são vistas como lugar de identificação, onde usuários de<br />
interesses similares se associam com o intuito de interagir. E isso exige um esforço<br />
individual, pois é uma tarefa que cada usuário deve fazer por si mesmo:<br />
A busca frenética por identidade não é um resíduo <strong>do</strong>s tempos pré-globalização que<br />
ainda não foi totalmente extirpa<strong>do</strong>, que tende a se tornar extinto conforme a globalização<br />
avança; ele é, pelo contrario, o efeito colateral e o subproduto da combinação das pressões<br />
globalizantes e individualiza<strong>do</strong>ras e das tensões que elas geram (Bauman, 2008:193).<br />
A articulação global-local emerge, portanto, na centralidade das discussões a<br />
respeito da cibercultura. Da variedade global de competências e formações discursivas<br />
nas quais o sujeito pode inserir-se, ele identifica aquelas compatíveis ao ponto<br />
de vista, ao ethos que deseja transpor na leitura.<br />
A escolha <strong>do</strong>s temas transversais <strong>do</strong> sexo, <strong>do</strong> amor e da morte que deveriam realocar<br />
as análises a respeito <strong>do</strong> eixo sujeito-espaço-tempo justificou-se em razão da<br />
presença massiva de tais temas <strong>no</strong> conjunto <strong>do</strong>s diários virtuais <strong>íntimos</strong> analisa<strong>do</strong>s.<br />
Se, inicialmente, sem qualquer fundamento científico, foi observada uma maneira<br />
específica de enunciar a respeito desses temas que enfatizava o poder singular de<br />
ação <strong>do</strong> indivíduo frente a ocorrências da vida cotidiana, o dispositivo meto<strong>do</strong>lógico<br />
<strong>do</strong> sistema de restrições semânticas embasa<strong>do</strong> em Maingueneau permitiu aprofundar<br />
essa análise primária e informal.<br />
Se as formulações em tor<strong>no</strong> <strong>do</strong> conceito de sujeito <strong>no</strong> século XX inauguravam<br />
a primazia <strong>do</strong> inconsciente, pelo qual o sujeito teria deixa<strong>do</strong> de ser senhor de suas<br />
ações, as análises <strong>do</strong> pla<strong>no</strong> semântico e das figuras e temas que revestem os esquemas<br />
narrativos <strong>no</strong>s enuncia<strong>do</strong>s analisa<strong>do</strong>s indicam a emergência de um sujeito que,<br />
em caráter complementar, busca organizar acontecimentos <strong>do</strong>s dramas huma<strong>no</strong>s<br />
<strong>no</strong>s quais estão envolvi<strong>do</strong>s <strong>no</strong> cotidia<strong>no</strong>. Frente à imprevisibilidade que envolve as<br />
questões amorosas, sexuais e da morte na contemporaneidade, o enuncia<strong>do</strong>r busca<br />
<strong>do</strong>minar o fluxo <strong>do</strong>s episódios dramáticos cotidia<strong>no</strong>s de acor<strong>do</strong> com uma lógica<br />
humana e materialista que valoriza o saber científico, a previsibilidade e a liberdade<br />
de escolha, em detrimento de uma lógica transcendental e sobrenatural guiada pela<br />
imprevisibilidade.<br />
Assim, o enuncia<strong>do</strong>r empreende uma tarefa performativa, que tem como ideal<br />
a <strong>do</strong>minação <strong>do</strong>s processos da morte, a configuração <strong>do</strong> sexo em coordenadas eróticas,<br />
bem como a escolha racional <strong>do</strong> parceiro amoroso. A filiação a determina<strong>do</strong><br />
campo <strong>discursivo</strong> engendra, portanto, um efeito de senti<strong>do</strong> de um sujeito integra<strong>do</strong>,<br />
coerente e autô<strong>no</strong>mo. As representações <strong>do</strong> sexo, <strong>do</strong> amor e da morte, filtradas a<br />
partir de um imaginário, são incorporadas pelo indivíduo na forma de um estilo de<br />
vida e de uma visão de mun<strong>do</strong> particular:<br />
Um estilo de vida pode ser defini<strong>do</strong> como um conjunto de práticas mais ou me<strong>no</strong>s<br />
integradas as quais o indivíduo toma pra si; não somente porque o sujeito supre com<br />
tais práticas necessidades utilitárias, maspor que elas dão forma material a uma narrativa<br />
particular da identidade <strong>do</strong> eu (self) (Giddens, 1991: 81).<br />
Por <strong>meio</strong> desses efeitos de senti<strong>do</strong> o enuncia<strong>do</strong>r traduz a fé <strong>do</strong> espaço <strong>discursivo</strong><br />
da lógica divina em uma incerteza diante da morte. Essa tradução, <strong>no</strong> entanto,<br />
CONSIDERAçõES FINAIS | 179