Blogs íntimos: percursos no contexto discursivo do meio - ECA-USP
Blogs íntimos: percursos no contexto discursivo do meio - ECA-USP
Blogs íntimos: percursos no contexto discursivo do meio - ECA-USP
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Porque casamento é casamento, é casamento, e a uma mulher como Samanthaque<br />
quer viver sua sexualidade de maneria aberta e livre - resta ficar sozinha.<br />
…<br />
E a escritora... a escritora convence o cara a casar mas se deslumbra com o<br />
evento casamento, quer algo grande, arrebata<strong>do</strong>r, acaba intimidan<strong>do</strong> o homem<br />
apaixona<strong>do</strong>, que fica acreditan<strong>do</strong> que o casamento mata o amor. Mas a ilusão<br />
é passageira, um não vive sem o outro e ao final, sim! eles se casam, colocam<br />
alianças numa cerimônia discreta e ao final, os três casais e a amiga solteira e<br />
já magra tomam brunch rega<strong>do</strong> a sucos ( cadê os cosmopolitans? eu perguntei,<br />
numa útima esperança...) e crianças berran<strong>do</strong> à mesa. Uma mesa feliz.<br />
A certa altura <strong>do</strong> filme, Carrie está contan<strong>do</strong> uma história de conto de fadas para<br />
a menininha chinesa. A história termina com a princesa encontran<strong>do</strong> ou sen<strong>do</strong><br />
encontrada pelo príncipe e viven<strong>do</strong> finalmente feliz para sempre. É aqui - eu<br />
pensei- aqui que vai haver a crítica, por que a felicidade, desde a mais tenra<br />
infância, significa encontrar o príncipe encanta<strong>do</strong> com quem finalmente <strong>no</strong>s<br />
realizaremos e asseguraremos a felicidade eterna? Que nada. Após ler a história,<br />
Carrie vai atrás <strong>do</strong> seu príncipe, revê tu<strong>do</strong> e decide que o importante mesmo é<br />
casar, e não a festa. Mais madura, segura de si, vai lá e casa.<br />
Ao tematizar os personagens <strong>do</strong> filme e valorizar suas profissões, a narra<strong>do</strong>ra<br />
eleva a mulher a uma condição profissional, e nesse processo, acaba por inserir-se<br />
nesta mesma posição enunciativa, a de uma mulher não mais marcada por sua condição<br />
feminina, mas caracterizada por sua inserção <strong>no</strong> merca<strong>do</strong> de trabalho. Esse<br />
movimento pode ser exemplifica<strong>do</strong> pelo seguinte trecho:<br />
Eu não tenho nada contra casamento. É uma delícia e maravilha a gente ter<br />
alguém que testemunhe <strong>no</strong>ssa existência com olhar apaixona<strong>do</strong>, é ótimo ter<br />
alguém que segura a <strong>no</strong>ssa mão se estamos <strong>do</strong>entes, ter filhos e fazer um pacto<br />
de existência e companheirismo, de cumplicidade profunda, com uma pessoa que<br />
amamos é realmente muito bacana e dá significa<strong>do</strong> à existência. O amor é lin<strong>do</strong>,<br />
all you need is love e tu<strong>do</strong> mais.<br />
Mas...<br />
por que uma série sobre mulheres livres, sobre sexo na vida de mulheres<br />
solteiras e bem sucedidas, seguras de si e poderosas, termina sen<strong>do</strong> uma série<br />
sobre a procura <strong>do</strong> casamento? Por que os casamentos são <strong>do</strong> modelo mais<br />
antigo e careta possível, significan<strong>do</strong> pactos eter<strong>no</strong>s de fidelidade, sacrifícios da<br />
carreira (<strong>no</strong> caso das mulheres), abdicação, aliança e papel? Por que o enre<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
conto de fadas não muda?<br />
O significa<strong>do</strong> da existência não pode ser inventa<strong>do</strong>, não pode acontecer na<br />
solteirice, os pactos não podem ser recria<strong>do</strong>s.<br />
Ok, é só uma série, mainstream. Uma série mainstream e, <strong>no</strong> final das contas,<br />
careta até o último fio de cabelo.<br />
Ao enunciar-se como a gente, o enuncia<strong>do</strong>r coloca-se entre seus coenuncia<strong>do</strong>res,<br />
como mulher apenas. No entanto, na segunda parte, volta à condição de profissional<br />
(seguras de si e poderosas), explicitan<strong>do</strong> uma tensão social crucial: o papel da<br />
mulher na sociedade contemporânea, bem como a influência <strong>do</strong> casamento nesse<br />
papel. Tais formas de subjetificação <strong>no</strong> ciberespaço ocorrem, portanto, a partir de<br />
IDENtIFICAçõES E SuBjEtIVAçõES CONtEMPORâNEAS | 139