Blogs íntimos: percursos no contexto discursivo do meio - ECA-USP
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simulacros anteriores, ou seja, de uma memória discursiva na qual estão apoiadas<br />
articulações ideológicas a respeito <strong>do</strong> tema na sociedade. É só por <strong>meio</strong> <strong>do</strong> computa<strong>do</strong>r,<br />
como um detona<strong>do</strong>r de operações de identificação, que o enuncia<strong>do</strong>r tem a<br />
possibilidade de posicionar-se entre essa massa de mulheres e, ao mesmo tempo,<br />
diferencia-se delas.<br />
Tal configuração de temas e figuras individualizadas, sugere um ponto de vista<br />
sobre o mun<strong>do</strong> <strong>no</strong> qual o enuncia<strong>do</strong>r se apóia para conferir um caráter e uma corporalidade<br />
e por <strong>meio</strong> <strong>do</strong>s quais esse fia<strong>do</strong>r deseja dar-se a ver pelo leitor. E esse ponto<br />
de vista é construí<strong>do</strong> justamente ten<strong>do</strong> em perspectiva as reações <strong>do</strong>s leitores, bem<br />
como seus posicionamentos ideológicos frente à polêmica <strong>do</strong> casamento. A instauração<br />
de um corpo ético que defende a auto<strong>no</strong>mia individual <strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong>r ao<br />
desligá-lo da necessidade de relacionar-se amorosamente passa, obrigatoriamente,<br />
pela recusa <strong>do</strong> emprego de links, ao longo de to<strong>do</strong> o post. O fia<strong>do</strong>r busca a adesão<br />
imediada <strong>do</strong> leitor, incentivan<strong>do</strong> a leitura linear <strong>do</strong> post, construin<strong>do</strong> um simulacro<br />
<strong>do</strong> gênero <strong>do</strong> diário íntimo tradicional como proposta de percurso interativo <strong>no</strong><br />
labirinto hipertextual. Embora na sua forma genérica exclusiva os diários virtuais<br />
<strong>íntimos</strong> solicitem a presença <strong>do</strong> outro, o conteú<strong>do</strong> materializa<strong>do</strong> recusa a interferência<br />
<strong>do</strong> ponto de vista estrangeiro, constituin<strong>do</strong> um ethos centra<strong>do</strong>, em defesa de<br />
uma perspectiva singular <strong>do</strong> casamento e das relações amorosas.<br />
No espaço <strong>discursivo</strong> da lógica humana, há espaço tanto para a mulher, apenas<br />
(negativada), quanto para a profissional (valorizada negativamente), tanto para<br />
as casadas quanto para as solteiras. Mas o casamento simboliza, nesse caso, uma<br />
passagem da estabilidade, valorizada positivamente, para a instabilidade, agora negativada,<br />
como se a vida conjugal exigisse uma <strong>do</strong>ação negativa ao outro. Só como<br />
profissional e solteira a mulher pude atingir a completude. Dotada de previsibilidade<br />
e estabilidade, a visão de mun<strong>do</strong> que o enuncia<strong>do</strong>r deseja transmitir é aquela<br />
da auto<strong>no</strong>mia, um ethos que tenta diferenciar-se <strong>do</strong> outro ao negar a conjunção<br />
amorosa pelo casamento. Ao criticar o casamento em seus moldes tradicionais, é<br />
com base nesse estereótipo de relacionamento amoroso que o enuncia<strong>do</strong>r refuta a<br />
instabilidade <strong>do</strong> verdadeiro amor.<br />
A racionalidade, <strong>no</strong> entanto, ordena ambos os pólos desse processo. Como profissional<br />
que apresenta-se a partir de uma perspectiva de <strong>do</strong><strong>no</strong> de si, o enuncia<strong>do</strong>r<br />
filia-se a uma lógica da escolha e da decisão individual, da ordem da previsibilidade<br />
que exclui o casamento. A auto<strong>no</strong>mia, <strong>no</strong> ponto de vista <strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong>r, é positiva,<br />
e por isso, deve ser exercida performativamente tanto pelas casadas quanto pelas<br />
solteiras, conforme comprova o seguinte trecho: Por que os casamentos são <strong>do</strong> modelo<br />
mais antigo e careta possível, significan<strong>do</strong> pactos eter<strong>no</strong>s de fidelidade, sacrifícios da<br />
carreira (<strong>no</strong> caso das mulheres), abdicação, aliança e papel?…, Nesse caso da condição<br />
da mulher casada, a auto<strong>no</strong>mia pela racionalidade deve ser exercida, segun<strong>do</strong> o<br />
ponto de vista <strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong>r, por <strong>meio</strong> da liberdade de escolha, o que, <strong>no</strong> entanto,<br />
para esse ponto de vista, nunca ocorreria <strong>no</strong> caso da mulher casada.<br />
Relacionada à questão da auto<strong>no</strong>mia da mulher <strong>no</strong> casamento está a função <strong>do</strong><br />
amor, com suas imprevisibilidades. O verdadeiro amor, segun<strong>do</strong> Bauman (2008:<br />
205), é aquele que se utiliza da razão como uma ferramenta e não como desculpa<br />
ou justificativa. Antes de ser pensante e desejante, o ser huma<strong>no</strong> é aquele que ama,<br />
mas um amor que aceita o desti<strong>no</strong> em suas imprevisibilidades e aceita as intenções<br />
<strong>do</strong> Outro, consentin<strong>do</strong> com o mistério <strong>do</strong> futuro. Amor não apenas entre homem e<br />
mulher, mas também como um parâmetro ético.<br />
A visão racional <strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong>r sobre o amor só existe como simulacro positiva<strong>do</strong><br />
desse amor. O amor solidário pelo Outro só existe, para esse enuncia<strong>do</strong>r, a partir de<br />
140 | BLOgS ÍNtIMOS: PERCuRSOS DE SENtIDO NO CONtEXtO DISCuRSIVO DO MEIO DIgItAL