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Blogs íntimos: percursos no contexto discursivo do meio - ECA-USP

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Separa<strong>do</strong> da função reprodutiva e <strong>do</strong> amor, o sexo torna-se um significante livre,<br />

fonte de experiências na busca incessante pelo prazer: “a desconstrução pósmoderna<br />

da imortalidade – a tendência a separar o presente <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> e <strong>do</strong> futuro<br />

– equipara-se a separar o erotismo da reprodução sexual e <strong>do</strong> amor” (Bauman, 1998:<br />

288). Essa revolução erótica estaria vinculada ao colapso <strong>do</strong> modelo panóptico.<br />

O dispositivo <strong>do</strong> panóptico foi formula<strong>do</strong> pela primeira vez pelo jurista britânico<br />

Jeremy Bentham como uma prisão na qual to<strong>do</strong>s os prisioneiros ficariam enclausura<strong>do</strong>s<br />

sob a vigilância de um vigia posiciona<strong>do</strong> <strong>no</strong> centro da prisão. No entanto, se o<br />

vigia poderia visualizar, pela contraluz, to<strong>do</strong>s os prisioneiros, esses, por sua vez, não<br />

teriam em seu foco de visão o vigia, e, assim, não poderiam saber em que momento<br />

exatamente estariam sen<strong>do</strong> vigia<strong>do</strong>s. O modelo <strong>do</strong> panóptico sugere uma imposição<br />

<strong>do</strong> poder não pela força física, mas pela idéia da permanente visibilidade, fazen<strong>do</strong><br />

com que o próprio prisioneiro seja porta<strong>do</strong>r da relação de poder, ou seja, despersonalizan<strong>do</strong><br />

o poder, mudança efetuada em função <strong>do</strong> dispositivo arquitetônico. O<br />

modelo panóptico depende, assim, de um espaço compacto e visível e de um tempo<br />

rotiniza<strong>do</strong> <strong>no</strong>rmatizamente, uma corporificação territorializada.<br />

O colapso desse modelo de perpetuar a ordem e a integração social, pelo policionamento<br />

e pelo <strong>do</strong>utrinamento, segun<strong>do</strong> Bauman, teria da<strong>do</strong> lugar a uma integração<br />

pela sedução e pela propaganda. O recolhimento de sensações e experiências<br />

corporais pelo prazer sexual toma o lugar <strong>do</strong> sexo em sua função reprodutiva, “solução<br />

evolucionária da natureza para a questão da continuidade” e “substrato material<br />

dessa produção cultural da imortalidade” (Bauman, 1998: 285).<br />

Enquanto <strong>no</strong> panóptico poucos podiam vigiar muitos, <strong>no</strong> sinóptico muitos são<br />

aqueles que vigiam poucos: “O panóptico forçava as pessoas à posição em que<br />

podiam ser vigiadas. O sinóptico não precisa de coerção – ele seduz as pessoas à<br />

vigilância. E os poucos que os vigilantes vigiam são estritamente seleciona<strong>do</strong>s.”<br />

(Bauman, 1999: 60). No entanto, o sinóptico não pode ser toma<strong>do</strong> como modelo<br />

das formas de visibilidade que correm na Internet, pois os sistemas de vigilância na<br />

Internet assumem uma função difusa e descentralizada.<br />

Exemplos claros dessas transmissões que se baseiam <strong>no</strong> espetáculo e na vigilância<br />

constantes são os reality shows, que promovem uma invasão entre campos<br />

<strong>do</strong> referencial, <strong>do</strong> ficcional e <strong>do</strong> lúdico. Esses formatos dão a ver uma certa configuração<br />

subjetiva contemporânea, baseada na desconstrução da privacidade ou <strong>no</strong><br />

fenôme<strong>no</strong> da corrosão das intimidades, demonstran<strong>do</strong> que a audiência deseja ser<br />

olhada, reconhecida <strong>no</strong> seu a<strong>no</strong>nimato. O reality show configura como necessário o<br />

encontro entre o voyeurista e o exibicionista.<br />

A reversibilidade das tec<strong>no</strong>logias de registro e exibição possibilita que as funções de<br />

especta<strong>do</strong>r e espetáculo se confundam, bem como as de observa<strong>do</strong>r e observa<strong>do</strong>. Ou<br />

seja, o olhar é reversível, entre <strong>do</strong>is pólos, um ponto de cruzamento entre o eu e o outro<br />

e, por isso, fonte de libi<strong>do</strong> e não mais de visão: o binômio olhar/ser olha<strong>do</strong> não se separa<br />

e “é exatamente pelo fato de que o olhar é um <strong>do</strong>s suportes <strong>do</strong> desejo <strong>do</strong> Outro que<br />

o sujeito é afeta<strong>do</strong> pelo olhar enquanto objeto de desejo <strong>do</strong> outro” (Bartucci, 2002:<br />

21). As configurações subjetivas e identitárias se conjugam ao valor da exterioridade,<br />

fazen<strong>do</strong> com que para cada ato exibicionista seja necessário outro voyeurista. Ambos<br />

presumem a idéia de um sujeito singular que vê <strong>no</strong> outro o espelho de si mesmo.<br />

Se o fato de as formas de subjetivação contemporâneas serem plasmadas pela<br />

publicização da privacidade, pelos <strong>no</strong>vos modelos de visibilidade <strong>no</strong> qual o olhar da<br />

presença física <strong>do</strong> outro é substituí<strong>do</strong> por uma presença mediada, este não seria o<br />

principal motivo pelo qual os diários virtuais <strong>íntimos</strong> se tornaram um pólo de uma<br />

escrita de si pautada pelo olhar <strong>do</strong> outro.<br />

168 | BLOgS ÍNtIMOS: PERCuRSOS DE SENtIDO NO CONtEXtO DISCuRSIVO DO MEIO DIgItAL

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