Blogs íntimos: percursos no contexto discursivo do meio - ECA-USP
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um quarteirão, a discussão deles aos poucos me alcançou <strong>no</strong>vamente. O moço<br />
parece desistir, sai andan<strong>do</strong>. A menina fica desconcertada, chama o meni<strong>no</strong><br />
que continua a se afastar, aborreci<strong>do</strong>. Ela dá um último grito, “eu te amo, seu<br />
puto!”. Ele se vira prá ela, olha pro céu, olha pro chão, pensa um segun<strong>do</strong> e vai<br />
na direção dela, que vai na direção dele, e eles se beijam e eu penso que sim, o<br />
amor é lin<strong>do</strong>.<br />
Mesmo torto, duro, esqueci<strong>do</strong>, aban<strong>do</strong>na<strong>do</strong>, renega<strong>do</strong>, traí<strong>do</strong>, disperdiça<strong>do</strong>,<br />
amargura<strong>do</strong>, extasia<strong>do</strong>, enlouqueci<strong>do</strong>, desencana<strong>do</strong>, desenfrea<strong>do</strong> o amor é, sim,<br />
lin<strong>do</strong>.<br />
Mais bonito ainda quan<strong>do</strong> é compartilha<strong>do</strong>.<br />
O enuncia<strong>do</strong>r de All made of Stars, descreve, como testemunha ocular, a discussão<br />
de um casal em plena rua de um bairro tradicional de São Paulo. Como actante<br />
de uma enunciação enunciada (um enuncia<strong>do</strong>r que instaura um eu-aqui-agora), o<br />
narra<strong>do</strong>r, delega<strong>do</strong> pelo enuncia<strong>do</strong>r, narra a discussão conforme seu pontro de vista,<br />
sem interferir na conversa. Como resulta<strong>do</strong> de uma debreagem interna, o narra<strong>do</strong>r<br />
delega a voz a um locutor, inauguran<strong>do</strong> uma segunda instância enunciativa: O moço<br />
parece desistir, sai andan<strong>do</strong>. A menina fica desconcertada, chama o meni<strong>no</strong> que continua<br />
a se afastar, aborreci<strong>do</strong>. Ela dá um último grito, “eu te amo, seu puto!”. As aspas<br />
marcam a fronteira com um sistema enunciativo autó<strong>no</strong>mo, com suas referências<br />
dêiticas e suas marcas de subjetividade própria. Apenas o discurso direto, nesse<br />
enuncia<strong>do</strong>, seria capaz de encenar, sob um efeito de autenticidade, as falas <strong>do</strong><br />
interlocutor. Transmuta<strong>do</strong> para o discurso indireto, o enuncia<strong>do</strong> perde seu efeito de<br />
senti<strong>do</strong> de realidade, já acentua<strong>do</strong> pela entonação oral espontânea que o narra<strong>do</strong>r<br />
busca transferir à fala <strong>do</strong> locutor.<br />
O trecho exposto a seguir, de Chá de Hortelã, também traz um exemplo de discurso<br />
direto com efeito de senti<strong>do</strong> de realidade:<br />
Post Especial de Halloween Dos Simpsons, não! Da Liliana!<br />
Liliana | Agora que eu sei disso, posso morrer em paz. | Friday, October 31st,<br />
2008<br />
Este post é dedica<strong>do</strong> à memória de @andrehp<br />
Nossa história começa numa <strong>no</strong>ite sombria num velho hospital de tijolinhos<br />
vermelhos.<br />
Eu estava de plantão como neurocirurgiã e havia um paciente com uma máformação<br />
<strong>no</strong> cérebro que havia sangra<strong>do</strong> várias vezes deixan<strong>do</strong> o cara em coma<br />
num respira<strong>do</strong>r barulhento para morrer.<br />
No <strong>meio</strong> da madrugada o telefone da torre onde eu <strong>do</strong>rmia toca e era a<br />
enfermeira <strong>do</strong> andar avisan<strong>do</strong> que o paciente havia morri<strong>do</strong> e eu tinha que ir<br />
até a enfermaria preparar a papelada para a autópsia, porque o cérebro dele era<br />
muito interessante e eu, <strong>no</strong> dia seguinte, ia abrir a cabeça dele e arrancar para<br />
fora o cérebro, fatiar todinho e tirar fotos para guardar de lembrança.<br />
Cheguei lá e vi que o coração não batia mais, que o homem não respirava, que<br />
o cérebro não funcionava. Que ele estava gela<strong>do</strong> como um vampiro. Morto. Azul.<br />
De cera.<br />
122 | BLOgS ÍNtIMOS: PERCuRSOS DE SENtIDO NO CONtEXtO DISCuRSIVO DO MEIO DIgItAL