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Blogs íntimos: percursos no contexto discursivo do meio - ECA-USP

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lo numa imitação falsa que jamais lhe fará justiça” (Baudrillard, 2001: 46). A<br />

impossibilidade de ver além <strong>do</strong> presente <strong>no</strong>s condena a viver uma “musealização”<br />

da memória.<br />

A presentificação <strong>do</strong> homem e a regulação social exige que ele viva sempre na<br />

repetição <strong>do</strong> presente: “Em sua qualidade de simbolizações de perío<strong>do</strong>s vivi<strong>do</strong>s,<br />

essas três expressões (passa<strong>do</strong>, presente e futuro) representam não apenas uma<br />

sucessão, mas também a presença simultânea dessas três dimensões <strong>do</strong> tempo na<br />

experiência humana” (Elias, 1998: 63). A relação com o passa<strong>do</strong> se transforma em<br />

função das transformações contemporâneas: valoriza<strong>do</strong> historicamente como um<br />

projeto burguês coletivo, o passa<strong>do</strong> passa a ser uma coleção inesgotável de imagens<br />

e figuras, um simulacro fotográfico.<br />

Jameson (1996) explicita a capacidade <strong>do</strong>s sistemas informáticos de plasmar essa<br />

<strong>no</strong>va lógica <strong>do</strong> tempo e <strong>do</strong> espaço, sen<strong>do</strong> assim impossível deixar de pensar <strong>no</strong> diário<br />

virtual íntimo como veículo dessa (des)ordem <strong>do</strong> tempo e <strong>do</strong> espaço na contemporaneidade.<br />

O diário virtual íntimo atua <strong>no</strong> senti<strong>do</strong> de uma busca para eternizar o<br />

passa<strong>do</strong> em forma de peque<strong>no</strong>s textos sobre seu cotidia<strong>no</strong>. Essa fixação ocorre pelo<br />

mesmo motivo pelo qual as pessoas cultivam o hábito de rever fotografias antigas.<br />

Ao colocar em discurso o <strong>no</strong>sso próprio presente, o passa<strong>do</strong> imediato instaura uma<br />

espécie de <strong>no</strong>stalgia. Só assim podemos confrontar <strong>no</strong>sso presente social, histórico<br />

e existencial e passa<strong>do</strong> como ‘referente’. É um fenôme<strong>no</strong> que Jameson designa de<br />

colonização insensível <strong>do</strong> presente pela modalidade na <strong>no</strong>stalgia.<br />

Se a contemporaneidade é marcada pela dificuldade de produzir e representações<br />

de <strong>no</strong>ssa própria experiência corrente, o que Jameson de<strong>no</strong>mina de esmaecimento<br />

da historicidade, a prática <strong>do</strong>s diários virtuais pode ser compreendida como<br />

uma abordagem <strong>do</strong> presente pelo simulacro ou <strong>do</strong> pastiche <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> estereotípico.<br />

Para Jameson, a crise da historicidade está relacionada à perda da capacidade<br />

<strong>do</strong> sujeito de entender de forma ativa suas pretensões e retenções em um complexo<br />

temporal e organizar seu passa<strong>do</strong> e seu futuro como uma experiência. O presente<br />

instantâneo e estratifica<strong>do</strong> <strong>do</strong> post, que condensa o passa<strong>do</strong>, é uma característica<br />

<strong>do</strong>s diários virtuais <strong>íntimos</strong>, <strong>no</strong>s quais os autores nem precisam explicitar a data de<br />

publicação (momento de referência e enunciação) pois esta já é impressa automaticamente<br />

pelos publica<strong>do</strong>res.<br />

Torna-se difícil, portanto, perceber como a produção cultural de tal sujeito poderia<br />

resultar em outra coisa que não um amontoa<strong>do</strong> de fragmentos e uma prática<br />

da heterogeneidade (Jameson, 1996: 52). Nesse <strong>contexto</strong>, como evitar pensar que<br />

a prática discursiva <strong>do</strong>s diários virtuais dispense a coerência e privilegie a heterogeneidade<br />

e resulte em um amontoa<strong>do</strong> de fragmentos? Seria a refutação dessa<br />

heterogeneidade um caminho pertinente?<br />

A Psicanálise pode contribuir bastante com a discussão sobre essa prática de<br />

heterogeneidade que marca a escrita e o exercício biográfico. No entanto, os conceitos<br />

empresta<strong>do</strong>s da teoria psicanalítica não devem funcionar como instrumentos<br />

de diagnóstico sobre a personalidade e a cultura contemporâneas, mas apenas como<br />

um modelo teórico <strong>no</strong> qual se baseiam alguns teóricos para reafirmar positivamente<br />

as heterogeneidades e a fragmentação que afetam o conceito de sujeito.<br />

Lacan desenvolve a idéia de que a cadeia <strong>do</strong>s significantes, conceito que pressupõe<br />

a arbitrariedade <strong>do</strong> sig<strong>no</strong> (não há relação unívoca entre o significante e o<br />

significa<strong>do</strong>, entre o <strong>no</strong>me e o referente), se rompe. O senti<strong>do</strong>, gera<strong>do</strong> <strong>no</strong> movimento<br />

<strong>do</strong> significante ao significa<strong>do</strong>, é, portanto, apenas um efeito, uma ilusão produzida<br />

na relação interna <strong>do</strong>s significantes, agora desarticulada. Fundamenta<strong>do</strong> na psicanálise<br />

lacaniana, Jameson descreve a identidade pessoal como a capacidade <strong>do</strong><br />

160 | BLOgS ÍNtIMOS: PERCuRSOS DE SENtIDO NO CONtEXtO DISCuRSIVO DO MEIO DIgItAL

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