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Blogs íntimos: percursos no contexto discursivo do meio - ECA-USP

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De acor<strong>do</strong> com Sennett (1988), o surgimento <strong>do</strong> capitalismo industrial basea<strong>do</strong><br />

na idéia de Nação e as transformações da Modernidade, como o surgimento da metrópole<br />

e da casa burguesa, provocam uma erosão da vida pública. A pessoa estranha<br />

se torna uma figura ameaça<strong>do</strong>ra, pois na vida cosmopolita o outro é desconheci<strong>do</strong>.<br />

A legitimidade da ordem pública é colocada em questão, em uma posição inferior à<br />

da família como representante maior da estabilidade e da privacidade, como refúgio<br />

seguro aos terrorismos das grandes cidades, contra os estranhos e desconheci<strong>do</strong>s.<br />

É neste senti<strong>do</strong> que Sennett (1988) fala <strong>no</strong> declínio <strong>do</strong> homem público, acompanha<strong>do</strong><br />

pela valorização extrema da privacidade, culminan<strong>do</strong> com a idéia de individualismo<br />

burguês, conceito <strong>do</strong> qual se extraem os fundamentos <strong>do</strong>s elementos que<br />

constituem esta privatização, entre eles, as cartas e os diários <strong>íntimos</strong>.<br />

No século XIX, gradativamente a família se torna um refúgio burguês da privacidade.<br />

Com o crescimento das grandes cidades, a platéia civil se torna estranha, e a intimidade<br />

passa a ser preservada, geran<strong>do</strong> uma cisão entre a vida pública e a vida privada.<br />

Também muda o papel da família e a função da casa burguesa, que passa a ser um<br />

local de rituais priva<strong>do</strong>s, exigin<strong>do</strong> paredes que separassem emprega<strong>do</strong>s e patrões. O<br />

espaço da metrópole se reproduz separan<strong>do</strong> o lugar da moradia daquele <strong>do</strong> trabalho.<br />

O desenvolvimento das mídias digitais introduz, <strong>no</strong> entanto, <strong>no</strong>vas formas de<br />

interação espaciais, bem como diferentes fronteiras entre o público e o priva<strong>do</strong>.<br />

Para Bauman (2001), enquanto o espaço moder<strong>no</strong> adquire valor conforme os avanços<br />

sobre os territórios, como em guerras terrestes ou por conquistas territoriais<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>-Nação, a expansão espacial na contemporaneidade perde sua função<br />

fronteiriça. A conectividade enciclopédica permite estar aqui e lá simultaneamente,<br />

os lugares são, portanto, destituí<strong>do</strong>s de seu valor tradicional moder<strong>no</strong>. A fronteira<br />

entre vida pessoal e profissional torna-se cada vez mais tênue. Executivos de grandes<br />

empresas se sentem obriga<strong>do</strong>s, e muitas vezes o são, a estarem disponíveis<br />

para resoluções profissionais durante to<strong>do</strong> o dia, inclusive em horários tipicamente<br />

reserva<strong>do</strong>s para o convívio familiar. Os espaços e tempos de preservação individual<br />

passam a se restringir à hora <strong>do</strong> banho, à vigília e a poucos momentos de lazer.<br />

O lugar de enunciação (aqui) <strong>do</strong> trabalho em Drops da Fal corresponde a uma<br />

dupla justaposição: a um aqui de onde as atividades profissionais são exercidas, e<br />

um aqui relaciona<strong>do</strong> ao espaço físico em que se encontra o computa<strong>do</strong>r ou outro<br />

dispositivo móvel conecta<strong>do</strong> à Internet. Seja ou não a profissão <strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong>r dependente<br />

de um computa<strong>do</strong>r conecta<strong>do</strong> à Internet, o tempo e o espaço <strong>do</strong> trabalho<br />

deixam de ser dedica<strong>do</strong>s exclusivamente às atividades produtivas <strong>do</strong> trabalho para<br />

remeterem também à esfera <strong>do</strong> cotidia<strong>no</strong> priva<strong>do</strong>. O espaço <strong>do</strong> trabalho e da família<br />

entrelaçam-se, sobreposição espacial comprovada pela profusão <strong>do</strong> espaço <strong>do</strong>s<br />

home-offices em grande parte das residências urbanas.<br />

Com o surgimento da informática, os computa<strong>do</strong>res pessoais se transformam<br />

em “máquinas de individualizar”. Como permitem a utilização de um usuário por<br />

vez, o computa<strong>do</strong>r se torna o local onde o indivíduo exerce atividades individuais,<br />

manipulan<strong>do</strong> da<strong>do</strong>s, pastas, arquivos e sites. E é nesse <strong>contexto</strong> de supressão <strong>do</strong><br />

tempo dedica<strong>do</strong> à intimidade que nascem os diários virtuais. Ao mesmo tempo em<br />

que permite um espaço de isolamento e privacidade, o computa<strong>do</strong>r abre as relações<br />

<strong>do</strong> autor com o <strong>meio</strong> virtual e conduz o autor <strong>do</strong> diário virtual a fazer parte de uma<br />

comunidade virtual, na qual se exerce uma, nas palavras de Schittine, uma sociabilidade<br />

segura:<br />

Cada um pode realizar <strong>no</strong> computa<strong>do</strong>r uma série de atividades privadas, desconhecidas<br />

de quem mora na mesma casa, e, ao mesmo tempo, conviver com essas pessoas.<br />

ESPAçO E tEMPO | 151

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