Blogs íntimos: percursos no contexto discursivo do meio - ECA-USP
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A modificação <strong>do</strong> suporte material de um texto altera radicalmente um gênero<br />
<strong>do</strong> discurso. O mo<strong>do</strong> de existência material, ou seja, de suporte/transporte e de<br />
estocagem/memorização <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> deve ser leva<strong>do</strong> em consideração para a constituição<br />
de um gênero, composição que depende também de sua organização textual.<br />
A digitalização das informações convoca a falarmos de um texto diferente <strong>do</strong><br />
tradicional: um texto que é forma<strong>do</strong> também por imagens, ou seja, um ico<strong>no</strong>texto<br />
marca<strong>do</strong> por uma dinamicidade (característica que muitos estudiosos de<strong>no</strong>minam<br />
virtualidade). A <strong>no</strong>ção de leitura nesse <strong>no</strong>vo <strong>meio</strong> é modificada, pois o hipertexto se<br />
torna um lugar de aquisição de atividade, um espaço quase “sem espaço” <strong>no</strong> qual o<br />
leitor percorre o caminho na ordem em que desejar.<br />
Apesar de ser composto por algumas características <strong>do</strong>s textos impressos, como<br />
os caracteres invariantes em detrimento de uma escrita manuscrita que preserva<br />
as marcas singulares <strong>do</strong> autor e que coloca <strong>do</strong>is indivíduos em relação direta, o<br />
texto <strong>no</strong>s diários virtuais <strong>íntimos</strong> explora uma espacialidade dinâmica, que, longe<br />
de apagar a originalidade autoral <strong>do</strong> diário, a transmuta em forma icônica, em figuras,<br />
fontes diferenciadas, fotos e outras marcas ilustrativas em sua interface. A<br />
universalidade da escrita impressa, ou seja, a necessidade de conter elementos que<br />
possibilitem sua compreensão, persiste nas mídias digitais, bem como <strong>no</strong>s diários<br />
virtuais <strong>íntimos</strong>. No entanto, conforme afirma Lévy, essa universalidade não é mais<br />
acompanhada por uma totalidade semântica, dada à interconexão generalizada e à<br />
interatividade. A desmaterialização <strong>do</strong>s suportes físicos enuncia<strong>do</strong>s instaura, assim,<br />
<strong>no</strong>vas formas de leitura e escrita, bem como emergentes gêneros <strong>discursivo</strong>s.<br />
Para caracterizar os gêneros <strong>do</strong> discurso, Maingueneau recorre a três metáforas<br />
emprestadas <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio jurídico, lúdico e teatral: o contrato, o jogo e o papel,<br />
respectivamente. Do contrato, o gênero <strong>do</strong> discurso toma a <strong>no</strong>ção de cooperação e<br />
<strong>no</strong>rmatividade, ou seja, a aceitação de regras e sanções a quem as transgredir. Do<br />
papel, a idéia de que cada gênero <strong>do</strong> discurso implica os parceiros sob a ótica de<br />
uma condição determinada e não de todas as suas determinações possíveis. Por<br />
último, “falar de jogo é, de alguma forma, cruzar as metáforas <strong>do</strong> contrato com as <strong>do</strong><br />
teatro, enfatizan<strong>do</strong> simultaneamente as regras implicadas na participação em um<br />
gênero <strong>do</strong> discurso e sua dimensão teatral” (Maingueneaeu, 2004: 70). No entanto,<br />
a rigidez das regras de um jogo não se aplica às regras <strong>do</strong> discurso. Notadamente,<br />
os elementos constituintes <strong>do</strong>s diários virtuais <strong>íntimos</strong> os inserem nesse <strong>contexto</strong> <strong>do</strong><br />
papel. Para que seja reconheci<strong>do</strong> como diário virtual íntimo, o co-enuncia<strong>do</strong>r pode<br />
buscar na página alguns indícios que remontam a tal constituição, como o <strong>no</strong>me<br />
próprio ou o pseudônimo, o registro de data de cada post, uma página que indica o<br />
perfil <strong>do</strong> autor (ou mesmo as informações cadastrais <strong>do</strong> autor em determina<strong>do</strong> serviço<br />
publica<strong>do</strong>res de blogs), os links indica<strong>do</strong>s para outros blogs. Também o aspecto<br />
contratual pode ser observa<strong>do</strong> <strong>no</strong> momento de cadastro da página nesses serviços<br />
publica<strong>do</strong>res de blogs: mesmo que não indiquem o <strong>no</strong>me real <strong>do</strong> autor, ele é obriga<strong>do</strong><br />
a cadastrar um <strong>no</strong>me para o blog. No jogo das comunidades virtuais de blogs na<br />
Internet, esse caráter <strong>no</strong>rmativo e teatral torna-se, certamente, constitutivo.<br />
Ethos: EStILO EM SI<br />
A partir <strong>do</strong> percurso de senti<strong>do</strong> que vai da sintaxe à pragmática, configuran<strong>do</strong><br />
um esquema temático e figurativo defini<strong>do</strong>, os enuncia<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s diários virtuais <strong>íntimos</strong><br />
(toma<strong>do</strong>s aqui como os recortes a partir <strong>do</strong>s posts) tornam-se homogêneos,<br />
marca<strong>do</strong>s sempre por um mo<strong>do</strong> de enunciação e uma configuração de temas e figuras<br />
individualizada, um ponto de vista sobre o mun<strong>do</strong>. Dessa totalidade constitui-se<br />
o ethos de um estilo, uma imagem que o fia<strong>do</strong>r deseja passar ao coenuncia<strong>do</strong>r que<br />
76 | BLOgS ÍNtIMOS: PERCuRSOS DE SENtIDO NO CONtEXtO DISCuRSIVO DO MEIO DIgItAL