Blogs íntimos: percursos no contexto discursivo do meio - ECA-USP
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Essa divisão entre a pre<strong>do</strong>minância de componentes figurativos ou temáticos tem<br />
apenas a função de circunscrever a maneira recorrente de representar os esquemas<br />
narrativos, uma vez que, para ser compreendi<strong>do</strong>, o figurativo precisa ser assumi<strong>do</strong><br />
por um tema que dá senti<strong>do</strong> e valor às figuras. Também, <strong>no</strong>s diários virtuais <strong>íntimos</strong>,<br />
raramente um post pode ser qualifica<strong>do</strong> como exclusivamente temático.<br />
Os esquemas narrativos relaciona<strong>do</strong>s ao tempo são geralmente revesti<strong>do</strong>s figurativamente<br />
e tematicamente por interpretações referenciais provenientes de experiências<br />
particulares <strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong>r em sua vivência diária. As ancoragens em um<br />
tempo histórico, bem como na memória coletiva, são convertidas na forma de um<br />
relato pessoal, ou seja, o enuncia<strong>do</strong>r emprega recursos singulares para estilizar os<br />
posts, integran<strong>do</strong> a memória episódica aos anais da História. As narrativas episódicas<br />
individuais interagem com a memória coletiva, constituin<strong>do</strong> um texto de origem<br />
híbrida, mas marca<strong>do</strong> por um estilo singular.<br />
Para Halbwachs (2004), a memória individual se dá em tor<strong>no</strong> de uma pessoa<br />
definida, ela envolve sua personalidade e vida pessoal. Baseia-se nas lembranças<br />
pessoais, com as quais o enuncia<strong>do</strong>r se insere em um espaço e tempo. A memória<br />
coletiva se apóia em da<strong>do</strong>s e fatos históricos e, por isso, é mais resumida e esquemática<br />
que a individual. Ela estaria distribuída <strong>no</strong> interior da sociedade, numa espécie<br />
de quadro de passa<strong>do</strong> resumi<strong>do</strong>.<br />
A memória individual <strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong>r se ampara na memória semântica e na<br />
episódica, enquanto a memória coletiva se aproxima mais <strong>do</strong>s anais, esquemáticos<br />
e resumi<strong>do</strong>s. A primeira se escora na segunda e não está inteiramente fechada e<br />
isolada uma vez que recorre às lembranças <strong>do</strong>s outros, aos pontos de referência<br />
fixa<strong>do</strong>s pela sociedade. Ela se apóia num movimento contínuo, <strong>do</strong> cotidia<strong>no</strong> e <strong>do</strong>s<br />
acontecimentos históricos. Com o auto-relato, o indivíduo se insere na História,<br />
ordena sua memória de acor<strong>do</strong> com os anais históricos:<br />
Nossa vida se escoa em um movimento contínuo. Mas logo que <strong>no</strong>s voltamos para<br />
aquilo que já se desenrolou, sempre <strong>no</strong>s é possível distribuir as suas diversas partes<br />
entre os pontos de divisão <strong>do</strong> tempo coletivo que encontramos fora de nós, e que se<br />
impõem de fora a todas as memórias individuais, precisamente por que eles não têm<br />
sua origem em nenhuma delas. O tempo social assim defini<strong>do</strong> seria inteiramente<br />
exterior às durações vividas pelas consciências (Halbwachs, 2004: 75)<br />
A memória individual existe sempre a partir de uma memória coletiva, posto<br />
que todas as lembranças são constituídas <strong>no</strong> interior de um grupo. A origem de<br />
várias idéias, reflexões, sentimentos, paixões que atribuímos a nós são, na verdade,<br />
inspiradas e toda história de vida faz parte da história em geral. Somos capazes de<br />
simular e reconstruir lembranças, a partir de um referencial social e histórico. A<br />
memória <strong>do</strong>s outros reforça e completa a <strong>do</strong> indivíduo, para que se possa reconstruir<br />
as imagens <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, fazen<strong>do</strong> da lembrança:<br />
Em larga medida uma reconstrução <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> com a ajuda de da<strong>do</strong>s empresta<strong>do</strong>s<br />
<strong>do</strong> presente, e além disso, preparada por outras reconstruções feitas em épocas anteriores<br />
e de onde a imagem de outrora manifestou-se já bem alterada (Halbwachs,<br />
2004: 75).<br />
Em um <strong>contexto</strong> sócio-histórico da instantaneidade <strong>do</strong> tempo em que precisamos<br />
criar estratégias de conservação e mecanismos de lembrança, o diário virtual<br />
íntimo corresponde a uma ação reflexiva capaz de consolidar, reconstruir e simular<br />
176 | BLOgS ÍNtIMOS: PERCuRSOS DE SENtIDO NO CONtEXtO DISCuRSIVO DO MEIO DIgItAL