Blogs íntimos: percursos no contexto discursivo do meio - ECA-USP
Blogs íntimos: percursos no contexto discursivo do meio - ECA-USP
Blogs íntimos: percursos no contexto discursivo do meio - ECA-USP
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
III.3 - O SENtIDO, A LEItuRA E A ESCRItA NO HIPERtEXtO DIgItAL<br />
Assim como Lejeune flexibiliza suas asserções a respeito da unidade autoral ao<br />
admitir a questão da identidade entre autor, narra<strong>do</strong>r e personagem como um jogo,<br />
atualiza<strong>do</strong> na leitura, a problemática <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> também deverá sofrer transformações<br />
seguin<strong>do</strong> a mesma direção: uma abertura semântica, possibilitada e acentuada<br />
pelas <strong>no</strong>vas condições de emergência <strong>do</strong> texto e da narratividade, de acor<strong>do</strong> com os<br />
presupostos da virtualização, <strong>do</strong> hipertexto e da interatividade. A idéia de que, na<br />
Internet, as instâncias de escrita e leitura se confundem decorre dessa indeterminação<br />
<strong>do</strong> senti<strong>do</strong>. No entanto, algumas ressalvas a respeito da conjectura da ausência<br />
de totalidade semântica na Internet serão propostas, ten<strong>do</strong> em vista a diferença<br />
existente entre a simples digitalização <strong>do</strong> texto e a sua potencialização, ou seja, o<br />
uso da interatividade que caracteriza o <strong>meio</strong> digital.<br />
Pierre Lévy conduz a uma viagem pela história da evolução da oralidade, da<br />
escrita e da cibercultura com o objetivo de recolher argumentos em tor<strong>no</strong> da sua<br />
proposição sobre o universo da cibercultura: este seria um mun<strong>do</strong> universal, <strong>no</strong><br />
entanto, impossível de atingir o que ele chama de totalidade semântica. Segun<strong>do</strong><br />
ele, nas sociedades orais,<br />
As mensagens lingüísticas eram sempre recebidas <strong>no</strong> tempo e lugar que eram emitidas.<br />
Emissores e receptores compartilhavam uma situação idêntica, e na maior parte<br />
<strong>do</strong> tempo um universo semelhante de significação (Lévy, 2000: 114).<br />
No entanto, após a invenção da escrita, as mensagens deixaram ter o espaço e<br />
o tempo em que foram emitidas em comum. Emissor e receptor dessas mensagens<br />
não compartilham o mesmo tempo, a mesma situação, isto é, não estão interagin<strong>do</strong><br />
diretamente, <strong>no</strong> mesmo tempo e espaço. Justamente por persistirem fora desse<br />
mesmo espaço e tempo, essas mensagens escritas estão “fora de <strong>contexto</strong>” (isto é,<br />
fora <strong>do</strong> <strong>contexto</strong> em que foram originalmente produzidas). No entanto, compreender<br />
o <strong>contexto</strong> de uma mensagem emitida há mais de mil a<strong>no</strong>s <strong>do</strong> outro la<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
mun<strong>do</strong> não é tarefa fácil. Por isso, tanto <strong>do</strong> la<strong>do</strong> <strong>do</strong> emissor quanto <strong>do</strong> receptor são<br />
pratica<strong>do</strong>s esforços práticos para garantir a compreensão.<br />
Do la<strong>do</strong> da emissão, foi feito um esforço para compor mensagens que pudessem<br />
circular em toda parte, independentemente de suas condições de produção e, que,<br />
na medida <strong>do</strong> possível, contêm em si mesma suas chaves de interpretação, ou sua<br />
“razão”. A esse esforço prático corresponde a idéia <strong>do</strong> universal (Lévy, 2000: 116).<br />
Compreender a questão <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> e da interpretação <strong>no</strong>s textos depende inicialmente<br />
da concepção <strong>do</strong> termo texto. Segun<strong>do</strong> Maingueneau, emprega-se o termo<br />
quan<strong>do</strong> se trata de apreender o enuncia<strong>do</strong> como um to<strong>do</strong>, constituin<strong>do</strong> uma<br />
totalidade coerente. Ou seja, textos podem ser defini<strong>do</strong>s como produções verbais<br />
orais ou escritas estruturadas de forma a perdurarem, a se repetirem, a circularem<br />
longe de seu <strong>contexto</strong> original. Os textos não necessariamente precisam ser produzi<strong>do</strong>s<br />
por um só locutor. Um texto pode também ser atribuí<strong>do</strong> a vários locutores, o<br />
que demonstra uma heterogeneidade. Assim, texto corresponde a unidades verbais<br />
pertencentes a um gênero de discurso, sen<strong>do</strong> certamente preferível defini-lo como<br />
uma seqüência significante (considerada coerente) de sig<strong>no</strong>s entre duas interrupções<br />
marcadas da comunicação. Embora seja comumente relacionada à escrita, a<br />
palavra texto, apesar da definição corrente — “to<strong>do</strong> discurso fixa<strong>do</strong> pela escritura”<br />
(Ricoeur, 1986: 137) — não se remete prioritariamente à escrita. Opor texto escri-<br />
PERCuRSOS DE SENtIDO NO LABIRINtO HIPERtEXtuAL | 61