Blogs íntimos: percursos no contexto discursivo do meio - ECA-USP
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de agora a se ver como sujeito de uma ordem abstrata, tipificada pela razão e pela<br />
moral” (Sodré, 1990:23).<br />
O desenho e a geometria euclideana favorecem a linearização <strong>do</strong> tempo e a<br />
visualização <strong>do</strong> espaço, bem como o posicionamento <strong>do</strong> corpo huma<strong>no</strong> nessa perspectiva.<br />
A centralização <strong>do</strong> olhar e, em conseqüência, <strong>do</strong> poder, transforma a forma<br />
de ver o mun<strong>do</strong> e de ver a si mesmo, fazen<strong>do</strong> com que o sujeito esqueça de sua artificialidade.<br />
A visão em perspectiva <strong>do</strong> huma<strong>no</strong> sintoniza com o fenôme<strong>no</strong> da urbanização<br />
com o Renascimento comercial. Na cidade, o indivíduo começa a ver com<br />
perfeição a sua própria imagem. Desse <strong>no</strong>vo modelo de vida, as vitrinas comerciais<br />
simbolizam a passagem da simples merca<strong>do</strong>ria a objeto-sig<strong>no</strong>, desti<strong>no</strong>s <strong>do</strong> desejo de<br />
possuir. À vitrina se assemelha o panóptico, pois ambos afirmam o poder político <strong>do</strong><br />
olhar: “assim como a vitrina, que faz ver, sem, entretanto, deixar perceber o código<br />
de seu processo de atração, o panóptico permite a visão por um centro invisível”<br />
(Sodré, 1990: 22).<br />
A consciência individual pauta-se, assim, por instituições que funcionam à base<br />
da disciplina, da visibilidade e de uma moral da produção capitalista, sistematizan<strong>do</strong><br />
um aprendiza<strong>do</strong> racionalista. A corporificação e o olhar são, portanto, as bases<br />
disciplinares <strong>do</strong> panóptico.<br />
No entanto, as <strong>no</strong>vas configurações das esferas espaciais e temporais na contemporaneidade<br />
contribuem para a dispersão desse poder concretiza<strong>do</strong> pelo olhar<br />
corporifica<strong>do</strong>. No pla<strong>no</strong> sintático a sucessividade <strong>do</strong>s acontecimentos culmina com<br />
a valorização de um tempo presente em conjunção eufórica com o amor da presencialidade<br />
física e a desvalorização disfórica de um passa<strong>do</strong> <strong>no</strong> qual os amantes não<br />
podiam estar juntos <strong>no</strong> mesmo ambiente físico. Também, a forma passada <strong>do</strong> verbo<br />
valer (teria vali<strong>do</strong> a pena? Teria), com efeito de senti<strong>do</strong> de futuro atesta uma busca<br />
de previsibilidade pelo enuncia<strong>do</strong>r.<br />
Da contraposição desse pla<strong>no</strong> sintático a um pla<strong>no</strong> pragmático, em que devem<br />
ser consideradas as condições de enunciação, emerge uma situação para<strong>do</strong>xal: na<br />
comunicação mediada por computa<strong>do</strong>r, o espaço <strong>do</strong> olhar em sua pontualidade amorosa<br />
e narcísica é traduzi<strong>do</strong> em uma extensividade na qual o espaço perde seu valor,<br />
pois ele não mais impõe limites à ação. Torna-se assim, um olhar pauta<strong>do</strong> por uma<br />
<strong>no</strong>va forma de visibilidade, uma visibilidade mediatizada. O tempo <strong>do</strong> amor conjugal<br />
presentifica<strong>do</strong> e euforiza<strong>do</strong> traduz-se em um amor evoca<strong>do</strong> pela memória, uma <strong>no</strong>stalgia<br />
em função <strong>do</strong> reconhecimento da instabilidade e da incerteza humanas.<br />
Deduz-se então que o enuncia<strong>do</strong>r apenas valoriza euforicamente o componente<br />
sintático, representan<strong>do</strong> o amor nas condições da contemporaneidade (um amor<br />
media<strong>do</strong>) como um componente negativo. Para o enuncia<strong>do</strong>r, as verdadeiras relações<br />
amorosas, que primam pela intimidade, só se estabelecem pela presença<br />
física.<br />
Assim, viven<strong>do</strong> o autor em uma sociedade em que a <strong>no</strong>va irrelevância <strong>do</strong> espaço<br />
é disfarçada pela aniquilação <strong>do</strong> tempo, ele reveste-se de um enuncia<strong>do</strong>r que enaltece<br />
um espaço como ferramenta para a concretização da relação amorosa e a rotinização<br />
e coordenação <strong>do</strong> tempo com finalidade de manter a previsibilidade e uma<br />
condição amorosa estável. Comprova-se assim, um ethos da ordem da pontualidade<br />
espacial e da sucessividade temporal, um ethos cujo enuncia<strong>do</strong>r busca transmitir ao<br />
enunciatário, que deve reviver e atualizar o espaço e o tempo <strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong>r pela<br />
leitura. O enuncia<strong>do</strong>r, navegan<strong>do</strong> entre labirintos hipertextuais em que o tempo não<br />
confere mais valor ao espaço, busca sintaticamente construir um mun<strong>do</strong> estável<br />
espaço-temporalmente, em que pode prever as situações de sua relação conjugal.<br />
O enunciatário, dessa maneira, incorpora pela atualização na leitura interativa hi-<br />
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