12.05.2013 Views

Blogs íntimos: percursos no contexto discursivo do meio - ECA-USP

Blogs íntimos: percursos no contexto discursivo do meio - ECA-USP

Blogs íntimos: percursos no contexto discursivo do meio - ECA-USP

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Ao enunciar os acontecimentos de uma terceira pessoa sob um ponto de vista próprio,<br />

o enuncia<strong>do</strong>r se coloca como tradutor das circunstâncias que o atravessam<br />

e eleva a condição da colega a um pla<strong>no</strong> social, para transmitir uma mensagem<br />

sobre a conjuntura da categoria feminina <strong>no</strong> merca<strong>do</strong> de trabalho. O enuncia<strong>do</strong>r<br />

posiciona-se ideologicamente a respeito <strong>do</strong> tema ao subordinar as falas <strong>do</strong> interlocutor<br />

ao seu mo<strong>do</strong> de expressão da mensagem, pois, para Fiorin (2006a: 76), “o<br />

discurso indireto analisa o discurso ou o texto de outrem. Serve, quan<strong>do</strong> na variante<br />

analisa<strong>do</strong>ra de conteú<strong>do</strong>, para constituir uma imagem <strong>do</strong> locutor, pois mostra suas<br />

posições ideológicas ou seu mo<strong>do</strong> de ser psicológico”.<br />

Aspas, provérbios e slogans<br />

Demorei um tempo para me lembrar que existiam pessoas à minha volta que,<br />

possivelmente, haviam escuta<strong>do</strong> o papo to<strong>do</strong> de comecei-a-dar-o-rabo-logodepois-de-ter-saí<strong>do</strong>-com-você<br />

e, em câmera lenta, em um efeito que se fosse<br />

um filme seria o de “lost in translation”, fui olhan<strong>do</strong> para o la<strong>do</strong> direito.<br />

Sim, lá estava ele. O pirulão-agua<strong>do</strong>-quase-a<strong>do</strong>lescente, que olhou bem prá mim<br />

e disse, enquanto se afastava empurran<strong>do</strong> a bicicleta:<br />

- Olha, eu andava te olhan<strong>do</strong> e até pensan<strong>do</strong> em te chamar prá sair... Mas depois<br />

dessa, deixa prá lá né? Eu, hein?<br />

E se afastou.<br />

E quan<strong>do</strong> eu achava que a situação não poderia ficar pior, olho para o la<strong>do</strong><br />

esquer<strong>do</strong> e, como não poderia deixar de ser, lá estava o quarentão-grisalhodelícia.<br />

Que sorriu e se afastou franzen<strong>do</strong> o queixo, <strong>do</strong> tipo, “putz... que<br />

situação... já vou in<strong>do</strong>... tenha um bom dia”.<br />

Na verdade eu já tinha até me esqueci<strong>do</strong> dessa história, que foi suplantada<br />

pelo barraco na funilaria que aconteceu logo depois e que contei aqui. Só me<br />

lembrei <strong>do</strong> ocorri<strong>do</strong> hoje pela manhã quan<strong>do</strong>, corren<strong>do</strong> <strong>no</strong> parque, cruzei com o<br />

quarentão-grisalho-delícia.<br />

Que me deu um bom dia formal, sem nenhuma piscadinha.<br />

No primeiro caso desse trecho de All Made of Stars, o enuncia<strong>do</strong>r compara a<br />

situação pela qual passou a cenas <strong>do</strong> filme Lost in Translation (2003) - em português<br />

o filme foi traduzi<strong>do</strong> como Encontros e Desencontros — dirigi<strong>do</strong> por Sofia Copolla,<br />

marca<strong>do</strong> por vários desencontros (tanto físicos, quanto amorosos) entre os <strong>do</strong>is personagens<br />

principais. Para sustentar uma diferenciação entre a fala <strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong>r e<br />

a <strong>do</strong> interlocutor nãoidentifica<strong>do</strong>, são empregadas as aspas, que, nesse caso, delegam<br />

ao enunciatário a tarefa de interpretar o motivo <strong>do</strong> sinal gráfico ter si<strong>do</strong> usa<strong>do</strong><br />

(uma palavra em língua estrangeira), uma lacuna a ser preenchida e atualizada pela<br />

leitura. No segun<strong>do</strong> caso, o interlocutor pode ser identifica<strong>do</strong> <strong>no</strong> texto, ou seja,<br />

trata-se de um segun<strong>do</strong> espaço enunciativo, uma segunda voz cuja responsabilidade<br />

o enuncia<strong>do</strong>r não deseja assumir. Em tom bem-humora<strong>do</strong>, o enuncia<strong>do</strong>r coloca na<br />

voz <strong>do</strong> quarentão-grisalho-delícia as palavras que ela presume que seriam enunciadas<br />

caso ele tivesse se manifesta<strong>do</strong> a respeito da situação: E quan<strong>do</strong> eu achava que a<br />

situação não poderia ficar pior, olho para o la<strong>do</strong> esquer<strong>do</strong> e, como não poderia deixar de<br />

ser, lá estava o quarentão-grisalho-delícia. Que sorriu e se afastou franzen<strong>do</strong> o queixo,<br />

<strong>do</strong> tipo, “putz... que situação... já vou in<strong>do</strong>... tenha um bom dia”.<br />

Um segun<strong>do</strong> exemplo, também retira<strong>do</strong> de All Made of Stars, admite o mesmo<br />

senti<strong>do</strong> das aspas, aquele de uma segunda voz imaginária:<br />

IDENtIFICAçõES E SuBjEtIVAçõES CONtEMPORâNEAS | 125

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!