Blogs íntimos: percursos no contexto discursivo do meio - ECA-USP
Blogs íntimos: percursos no contexto discursivo do meio - ECA-USP
Blogs íntimos: percursos no contexto discursivo do meio - ECA-USP
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
projetos?<br />
Andam me falan<strong>do</strong> que eu preciso de um projeto.<br />
Minha vida tá assim: <strong>do</strong>u aulas numa escola que amo, faço ginástica e regime.<br />
Leio, escrevo (pouco), tento estar junto <strong>do</strong>s meus amigos to<strong>do</strong>s, namoro por<br />
internet e telefone. Afora o namoro, que é enrola<strong>do</strong> e que gostaria que fosse<br />
mais próximo, está tu<strong>do</strong> bem, gosto da minha casa, <strong>do</strong>s meus dias, <strong>do</strong> meu<br />
trabalho, gosto de quem sou. De fato, não tenho nenhum grande projeto me<br />
esperan<strong>do</strong>, nem a longo nem a curto prazo, a não ser emagrecer e ficar ainda<br />
mais bela, mais livre e inteira. Um projeto de mim para comigo mesma, pessoal<br />
e artesanal.<br />
Meu projeto é viver cada dia com atenção e leveza, estar inteira nas coisas que<br />
eu faço, fazê-las bem, e ir construin<strong>do</strong> uma vida boa, feita de dias bons, de horas<br />
boas, de bons instantes. Meu projeto não vai além de cada dia. Meu projeto é<br />
viver feliz.<br />
Ao desenhar os contor<strong>no</strong>s desse projeto, o enuncia<strong>do</strong>r também constrói o mun<strong>do</strong><br />
enquanto objeto, um mun<strong>do</strong> <strong>no</strong> qual ele buscará saciar seus desejos e prazeres<br />
e <strong>do</strong> qual ele buscará extrair os fios imaginários de personalidade para constituir<br />
sua trajetória narrativa. A construção de si mesmo ocorre concomitantemente à<br />
construção de um projeto de mun<strong>do</strong> <strong>no</strong> qual o sujeito poderá habitar.<br />
O processo de identificação efetua-se a partir da atuação social e performativa<br />
<strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong>r e não apenas <strong>do</strong>s mecanismos de reconhecimento tradicionais como<br />
o <strong>no</strong>me e a família, de ascensão social, como a posse de bens, e de encenação pessoal,<br />
da aparência e imagem nas quais se apóiam o simulacro <strong>do</strong> autor a partir <strong>do</strong><br />
enuncia<strong>do</strong>r. A mobilização para a ação é ilustrada em cada atividade <strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong>r,<br />
figurativizada em termos como ginástica, escola e regime.<br />
Se, de acor<strong>do</strong> com Bauman (2008:185), “as colocações individuais na sociedade<br />
e os lugares aos quais os indivíduos podem ganhar acesso e <strong>no</strong>s quais podem desejar<br />
se estabelecer estão derreten<strong>do</strong> com rapidez e dificilmente podem servir como alvos<br />
para ‘projetos de vida’”, o enuncia<strong>do</strong>r apóia-se na caracterização seqüencial narrativa<br />
discursivizada de suas atividades cotidianas para instaurar-se como sujeito da ação<br />
individual. Os esforços individuais de auto-afirmação por <strong>meio</strong> de uma narrativa de<br />
si, marca distintiva <strong>do</strong>s diários virtuais <strong>íntimos</strong>, demonstram o caráter individual da<br />
política de vida privatizada frente e em conjunto às condições de vida globalizadas<br />
e desterritorializadas, comprovan<strong>do</strong> ser a <strong>no</strong>ssa modernidade uma versão individualizada<br />
e privatizada.<br />
Apesar das coerções da cena enunciativa <strong>do</strong>s diários <strong>íntimos</strong>, que favorecem as<br />
debreagens enunciativas e pelas quais o enuncia<strong>do</strong>r deixa transparecer as marcas <strong>do</strong><br />
ato enunciativo, o trecho extraí<strong>do</strong> de Continua Valen<strong>do</strong> denuncia o emprego de um<br />
recurso sintático para neutralizar a categoria de pessoa: a embreagem.<br />
SEGUNDA-FEIRA, 22 DE SETEMBRO DE 2008<br />
Depois de inúmeras revoadas e turbulências, continuamos por aqui, exercen<strong>do</strong><br />
esse milagre diário que é a existência viva da lulu. E <strong>no</strong> espanto diário de que ela<br />
aconteça sem que grandes acidentes sejam causa<strong>do</strong>s, catástrofes provocadas,<br />
sem que a lulu se mate sem querer e assim por diante, os dias são meus<br />
116 | BLOgS ÍNtIMOS: PERCuRSOS DE SENtIDO NO CONtEXtO DISCuRSIVO DO MEIO DIgItAL