Blogs íntimos: percursos no contexto discursivo do meio - ECA-USP
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nuum e organiza um da<strong>do</strong> a ver caracteriza-se pela propriedade de ‘estar em lugar<br />
de’, prescindin<strong>do</strong> da presença material, e recebe o <strong>no</strong>me de sig<strong>no</strong>” (Gomes, 2003:<br />
20). A dimensão social <strong>do</strong> huma<strong>no</strong> implica na necessidade da comunicação como<br />
antecedente lógico para as operações simbólicas, ou seja, a organização da vida em<br />
grupo marca a distância entre a cultura e a natureza. Nesse senti<strong>do</strong> é que o tabu <strong>do</strong><br />
incesto também integra essa ruptura da ordem simbólica.<br />
O ato de <strong>no</strong>mear circunscreve campos e ordena o mun<strong>do</strong> conforme uma visada<br />
específica e, para que essa substituição e diferenciação ocorram, é necessário o cálculo<br />
de um outro olhar. A ordem simbólica, portanto, “é o lugar onde de um só golpe<br />
se constitui o huma<strong>no</strong>: ser social, falante, fabricante, uma vez que lhe dá acesso ao<br />
mun<strong>do</strong> por <strong>meio</strong> das significações que institui” (Gomes, 2003: 23).<br />
Assim, diferentemente <strong>do</strong> animal, o homem é capaz de evocar os objetos ausentes<br />
afasta<strong>do</strong>s <strong>no</strong> tempo e <strong>no</strong> espaço por <strong>meio</strong> das operações de substituição. Entre<br />
os principais elementos de substituição está o sig<strong>no</strong>, mas também podem ser citadas<br />
as imagens, símbolos, conceitos, aos quais são aplicadas condutas simbólicas:<br />
“Trocam-se injúrias em lugar de golpes, rasga-se um retrato por não poder fazer mal<br />
à pessoa odiada, estuda-se um itinerário sobre um mapa, raciocina-se, quer dizer,<br />
substitui-se a experiência efetiva sobre os objetos pela experiência verbal ou mental<br />
sobre os sig<strong>no</strong>s” (Paulus, 1975: 01). O homem é capaz de olhar-se <strong>no</strong> espelho e distinguir<br />
a imagem de si mesmo, ao contrário <strong>do</strong>s outros animais. A ordem simbólica<br />
que lhe é constitutiva inaugura o que há de fundamentalmente <strong>no</strong>vo <strong>no</strong> homem, a<br />
capacidade de representar o ausente.<br />
Por isso, estudar as mediações simbólicas <strong>no</strong>s diários virtuais não pode se desviar<br />
de uma responsabilidade que obriga o pesquisa<strong>do</strong>r a admitir a interdisciplinaridade<br />
<strong>do</strong> símbolo enquanto problema, determinan<strong>do</strong> não apenas um enfoque sobre o<br />
objeto de estu<strong>do</strong>, mas uma aproximação provinda de múltiplos campos da ciência,<br />
passan<strong>do</strong> pela Antropologia, pela Sociologia, pela Lingüística e pela Psicanálise,<br />
entre outros.<br />
Dessa maneira, o autor <strong>do</strong> diário virtual não é apenas um opera<strong>do</strong>r da função<br />
simbólica regula<strong>do</strong> por regras e leis sociais, mas também um sujeito inscrito em<br />
dada ordem social, mesmo que de origem hipertextual, e interpela<strong>do</strong> pelo inconsciente.<br />
No entanto, o objeto sobre o qual se debruça a pesquisa determina, de início,<br />
um recorte lingüístico-<strong>discursivo</strong>. Ou seja, o autor-empírico converte-se em sujeito<br />
<strong>discursivo</strong>, um sujeito que emerge <strong>do</strong> texto, cujas operações de significação não<br />
constituem apenas um corpus, mas também um sintoma da ordem simbólica que<br />
lhe é faculta<strong>do</strong>. Esse recorte meto<strong>do</strong>lógico se dá em virtude <strong>do</strong> sig<strong>no</strong> lingüístico ser<br />
especialmente emprega<strong>do</strong> pelo homem. Os diários virtuais, sua estrutura discursiva,<br />
seu léxico e sua sintaxe pertencem, assim, ao <strong>do</strong>mínio das Ciências da Linguagem.<br />
O diário virtual é um objeto que expressa as múltiplas condições <strong>do</strong> huma<strong>no</strong><br />
como ser social, <strong>discursivo</strong> e psicológico, pois demonstra sua capacidade de recorte<br />
da realidade por operações de <strong>no</strong>meação e representação, permitin<strong>do</strong>-o aludir a<br />
um cotidia<strong>no</strong> passa<strong>do</strong> e a outras imagens mentais que só adquirem um senti<strong>do</strong> ao<br />
serem materializadas verbalmente, como <strong>no</strong> diário. Se a linguagem opera isolan<strong>do</strong>,<br />
selecionan<strong>do</strong>, recortan<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong> a ser visto, o diário virtual deve ser compreendi<strong>do</strong><br />
como um foco de apresentação de mun<strong>do</strong>. Já imerso na ordem simbólica,<br />
o indivíduo produz <strong>no</strong>vos recortes, consciente e inconscientes, fazen<strong>do</strong> escolhas<br />
e desenvolven<strong>do</strong> movimentos de significação dentro daqueles primeiros recortes<br />
simbólicos que a linguagem já havia opera<strong>do</strong>.<br />
Constitui-se um presente com base nas fantasias da realidade <strong>do</strong> autor, construin<strong>do</strong><br />
verbalmente um mun<strong>do</strong> virtual com base nas percepções empíricas e inte-<br />
34 | BLOgS ÍNtIMOS: PERCuRSOS DE SENtIDO NO CONtEXtO DISCuRSIVO DO MEIO DIgItAL