12.05.2013 Views

Blogs íntimos: percursos no contexto discursivo do meio - ECA-USP

Blogs íntimos: percursos no contexto discursivo do meio - ECA-USP

Blogs íntimos: percursos no contexto discursivo do meio - ECA-USP

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

No entanto, a <strong>no</strong>ção de autoria já entrou em crise há tempos, com o estruturalismo.<br />

Com a morte anunciada, o autor cede lugar ao próprio texto como estratégia de<br />

interpretação <strong>do</strong> senti<strong>do</strong>. Decretar que qualquer um pode ser autor e leitor (o que<br />

equivale a dizer que qualquer um possa também não ser) parece ig<strong>no</strong>rar a existência<br />

de estu<strong>do</strong>s precedentes que sugeriam que o texto é atravessa<strong>do</strong> por inúmeros fatores<br />

que não podem ser controla<strong>do</strong>s intencionalmente pelo autor, seja por que o texto<br />

pode estar submeti<strong>do</strong> a coerções de gênero ou desejos inconscientes <strong>do</strong> autor.<br />

Nesse <strong>contexto</strong>, <strong>do</strong>is ensaios são essencialmente importantes: A morte <strong>do</strong> autor,<br />

de Roland Barthes (1968) e O que é um autor (publica<strong>do</strong> em 1969), de Michel Foucault,<br />

ambos lança<strong>do</strong>s na década de 1960. Barthes, ao tratar de descentramento,<br />

a<strong>no</strong>nimato e de uma pluralidade “irredutível”, coloca em questão a <strong>no</strong>ção de autor<br />

e de obra, <strong>no</strong>ções que admitem uma concepção <strong>do</strong> sujeito proposto pelo Projeto<br />

Moder<strong>no</strong>. É Barthes quem chama a atenção para a <strong>no</strong>ção de interpretação a partir<br />

da autoria, como se o autor transferisse alegoricamente uma única voz particular à<br />

obra, e por <strong>meio</strong> desse voz a interpretação pudesse se efetuar.<br />

Michel Foucault retoma e avança a questão ao reconhecer que o conceito de<br />

autor de algum mo<strong>do</strong> excede o que podemos pensar como autor empírico. Nesse<br />

<strong>contexto</strong>, propõe a <strong>no</strong>ção de “função autor”, que ele define como “característico<br />

<strong>do</strong> mo<strong>do</strong> de existência, de circulação e de funcionamento de alguns discursos <strong>no</strong><br />

interior de uma sociedade” (Foucault, 1992:46).<br />

Ou seja, a introdução de uma visão lingüística e discursiva <strong>do</strong> sujeito, bem como<br />

sua inscrição social e simbólica, estão na raiz da reconfiguração da <strong>no</strong>ção de autor<br />

e de função-autor. Na produção discursiva, o sujeito sai da posição de enuncia<strong>do</strong>r<br />

para se transformar em autor. Para isso, é necessário, segun<strong>do</strong> Orlandi (2007), que<br />

o sujeito tenha controle <strong>do</strong>s mecanismos <strong>do</strong> processo <strong>discursivo</strong>, <strong>no</strong> qual ele se<br />

constitui como autor, e também <strong>do</strong>s mecanismos <strong>do</strong> <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong>s processos textuais<br />

<strong>no</strong>s quais ele marca sua prática de autor.<br />

A passagem de enuncia<strong>do</strong>r a autor é também a <strong>do</strong> recobrimento <strong>do</strong> lugar ou<br />

posição discursiva por um sujeito, agora autor, uma função responsável pela organização<br />

<strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s e pela unidade <strong>do</strong> texto, surtin<strong>do</strong> um efeito de senti<strong>do</strong> de<br />

unidade também de sujeito. Para Orlandi (2007:69), “a função-autor é tocada de<br />

mo<strong>do</strong> particular pela história: o autor consegue formular <strong>no</strong> interior <strong>do</strong> formulável e<br />

se constitui, com seu enuncia<strong>do</strong>, numa história de formulações”.<br />

A essa problemática da morte <strong>do</strong> autor corresponde uma flexibilização <strong>do</strong> conceito<br />

de pacto autobiográfico de Lejeune, bem como a uma maior maleabilidade<br />

da importância da assinatura para os diários virtuais <strong>íntimos</strong>. O autor parte de uma<br />

apresentação categórica <strong>do</strong> tema da identidade autor-narra<strong>do</strong>r-personagem, cristalizan<strong>do</strong><br />

uma oposição entre tu<strong>do</strong> ou nada, quan<strong>do</strong> as posições intermediárias são<br />

de fundamental importância, principalmente na Internet. De acor<strong>do</strong> com Lejeune,<br />

uma relação a três entre produtor, obra e consumi<strong>do</strong>r é ilusória, já que essas três<br />

instâncias nunca participam ao mesmo tempo de uma mesma experiência e a autobiografia<br />

brinca justamente de criar essa ilusão:<br />

Se, em 1980, escolhi o título Je est un autre [Eu é um outro] para a coletânea de artigos<br />

escritos depois <strong>do</strong> “Pacto”, foi justamente para reintroduzir a idéia de jeu [jogo]<br />

que está fatalmente ligada a identidade... Por que inicialmente a<strong>do</strong>tei uma atitude<br />

tão jansenista? Talvez por que, sem dizê-lo, sempre raciocinei como se o centro <strong>do</strong><br />

campo autobiográfico fosse a confissão: avaliei o to<strong>do</strong>, de acor<strong>do</strong> com as regras de<br />

funcionamento de uma de suas partes: as confissões devem ser assinadas para que<br />

tenham valor; não há como entrar em acor<strong>do</strong> com a verdade... Mas tal escolha só<br />

PERCuRSOS DE SENtIDO NO LABIRINtO HIPERtEXtuAL | 59

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!