Blogs íntimos: percursos no contexto discursivo do meio - ECA-USP
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tecen<strong>do</strong> nesse instante não compromete as formas <strong>do</strong>s amanhãs. Na verdade, os dias<br />
não têm importância e não vale a pena contá-los (Bauman, 2008: 309)<br />
Os mecanismos enunciativos de espacialização cumprem funções múltiplas. Eles<br />
podem atuar <strong>no</strong> senti<strong>do</strong> de localizar externamente ou internamente o enuncia<strong>do</strong>r <strong>no</strong><br />
espaço <strong>do</strong>s acontecimentos, apenas ambientar o enuncia<strong>do</strong>r em determinada cena<br />
enunciativa, atuan<strong>do</strong> de forma acessória à temporalização, bem como funcionar<br />
como estratégia coesiva estruturan<strong>do</strong> a conexão lógica entre os enuncia<strong>do</strong>s.<br />
Em relação às condições de produção enunciativa, bem como das enunciações<br />
enunciadas, a topografia <strong>do</strong> diário virtual íntimo corresponde ao hipertexto, que determina<br />
um estratégia discursiva e comunicativa baseada na possibilidades interativas,<br />
pois o desenvolvimento das mídias digitais introduz <strong>no</strong>vas formas de interação<br />
espaciais, bem como diferentes regimes de visibilidade. O olhar espetaculariza<strong>do</strong><br />
<strong>do</strong> leitor, torna<strong>do</strong> uma condição de existência <strong>do</strong> blog, é pauta<strong>do</strong> por uma <strong>no</strong>va<br />
forma de visibilidade, uma visibilidade mediatizada.<br />
Daí advém também a indistinção entre o espaço público e o priva<strong>do</strong>, que caracteriza<br />
o ciberespaço e marca uma das principais características <strong>do</strong> objeto aqui trata<strong>do</strong>:<br />
a exposição de um conteú<strong>do</strong> da esfera íntima, mas coordena<strong>do</strong> narrativamente<br />
de forma a possibilitar abertura ao outro. São, portanto, enuncia<strong>do</strong>s que sofrem a<br />
coerção <strong>do</strong> <strong>contexto</strong> espacial e interativo, relata<strong>do</strong>s de forma a não chocar o enunciatário<br />
e configuran<strong>do</strong> um ethos conti<strong>do</strong>, ao contrário das hipóteses antevistas a<br />
respeito <strong>do</strong> duplo voyeurismo-exibicionismo.<br />
As <strong>no</strong>vas configurações das esferas espaciais e temporais na contemporaneidade<br />
contribuem para a descorporificação <strong>do</strong> olhar. O espaço físico é destituí<strong>do</strong> <strong>do</strong> valor<br />
moder<strong>no</strong>, ele não possibilita mais atingir o progresso. Do espaço analógico ao digital,<br />
“os <strong>no</strong>vos dispositivos criam <strong>no</strong>vas dinâmicas <strong>no</strong> processo de controle/territorialização<br />
e de mobilidade/fuga/desterritorialização” (Lemos, 2006). O ciberespaço<br />
possibilita a movimentação pelas fronteiras físicas, sociais, culturais, simbólicas e<br />
subjetivas, ele<br />
(...) é efetivamente desterritorializante, mas essa dinâmica não existe sem <strong>no</strong>vas reterritorializações.<br />
Toda mídia, da escrita à Internet, cria processos que <strong>no</strong>s permitem<br />
driblar os constrangimentos <strong>do</strong> espaço e <strong>do</strong> tempo: envio de mensagens a distância,<br />
processos mnemônicos. As mídias contemporâneas instauram processos de territorialização<br />
e desterritorialização, a partir da compressão espaço-tempo (Harvey, 1992)<br />
e <strong>do</strong> desencaixe (Giddens, 1991), que criam <strong>no</strong>vas geometrias <strong>do</strong> poder (Foucault,<br />
1979) e <strong>no</strong>vos agenciamentos (Deleuze & Guattari, 1980). (Lemos, 2006)<br />
O blog propicia, portanto, a criação de um espaço reterritorializa<strong>do</strong>, um caminho<br />
proposto pelo seu arquiteto <strong>no</strong> labirinto <strong>do</strong> ciberespaço. Nesse espaço nômade, o<br />
enuncia<strong>do</strong>r constrói um território <strong>no</strong> qual pode se mover, além de apontar <strong>percursos</strong><br />
ao enunciatário ao instaurar <strong>no</strong> blog um espaço enuncia<strong>do</strong>. Justapon<strong>do</strong> o espaço<br />
eletrônico e o físico, ele cria um local onde pode ancorar-se e residir, para controlar<br />
o fluxo interativo e instituir um ethos territorializa<strong>do</strong>.<br />
O potencial des-re-territorializante das tec<strong>no</strong>logias da cibercultura, <strong>no</strong> entanto,<br />
vai além daquele proveniente <strong>do</strong> computa<strong>do</strong>r, uma vez que os dispositivos móveis<br />
de comunicação, como os celulares e os smartphones propõem diferentes formas de<br />
apropriação e desapropriação de territórios, pois possibilita a mobilidade <strong>do</strong> usuário,<br />
configuran<strong>do</strong> <strong>no</strong>vas estratégias enunciativas e discursivas de colocação <strong>do</strong> sujeito<br />
<strong>no</strong> espaço e <strong>no</strong> tempo.<br />
178 | BLOgS ÍNtIMOS: PERCuRSOS DE SENtIDO NO CONtEXtO DISCuRSIVO DO MEIO DIgItAL