12.05.2013 Views

Blogs íntimos: percursos no contexto discursivo do meio - ECA-USP

Blogs íntimos: percursos no contexto discursivo do meio - ECA-USP

Blogs íntimos: percursos no contexto discursivo do meio - ECA-USP

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Para contrastar os diários tradicionais aos blogs de tipo diário, será seguida a<br />

definição de diários proposta por Lejeune, na qual os diários são um gênero vizinho<br />

da autobiografia, definida como uma “narrativa retrospectiva em prosa que uma<br />

pessoa real faz de sua própria existência, quan<strong>do</strong> focaliza sua história individual, em<br />

particular a história de sua personalidade” (Lejeune, 2008: 14).<br />

Lejeune (2008:14) foca sua definição de diário e autobiografia essencialmente<br />

na estrutura composicional de tais gêneros, especialmente a organização narrativa<br />

temporal em primeira pessoa. Nessa definição entram em jogo elementos<br />

pertencentes a quatro categorias diferentes: a forma de linguagem, que pode ser<br />

em narrativa ou em prosa, o assunto trata<strong>do</strong> (a vida individual, a história de uma<br />

personalidade), a situação <strong>do</strong> autor (identidade <strong>do</strong> autor e <strong>do</strong> narra<strong>do</strong>r) e a posição<br />

<strong>do</strong> narra<strong>do</strong>r, que pode presumir uma identidade <strong>do</strong> narra<strong>do</strong>r com o personagem<br />

principal ou uma perspectiva retrospectiva da narrativa.<br />

O diário difere-se da autobiografia em relação à perspectiva temporal, pois a base<br />

<strong>do</strong> diário é a data: “uma entrada de diário é o que foi escrito num certo momento, na<br />

mais absoluta ig<strong>no</strong>rância quanto ao futuro, e cujo conteú<strong>do</strong> não foi com certeza modifica<strong>do</strong>”,<br />

asseguran<strong>do</strong> a autenticidade <strong>do</strong> momento. Assim, segun<strong>do</strong> Lejeune, o diário<br />

é, em primeiro lugar, uma lista de dias, definição que não contempla a destinação,<br />

o conteú<strong>do</strong> e a forma <strong>do</strong>s diários, mas que, <strong>no</strong> entanto, será empregada em termos<br />

comparativos aos blogs. Se considerada apenas a forma seqüencial e vestigial, to<strong>do</strong><br />

blog poderia ser de<strong>no</strong>mina<strong>do</strong> diário, pela sua ordenação cro<strong>no</strong>lógica. A explicitação da<br />

data <strong>no</strong> ato da escrita ocorre tanto <strong>no</strong> diário íntimo tradicional quanto <strong>no</strong> virtual, como<br />

uma particularidade composicional <strong>do</strong> gênero. Esta data de escrita explicitada corresponde<br />

ao marco referencial (MR) presente, em função <strong>do</strong> qual se organiza o dito.<br />

Contu<strong>do</strong>, o conteú<strong>do</strong>, o assunto trata<strong>do</strong>, a forma de linguagem e a situação <strong>do</strong><br />

autor excluem <strong>do</strong>s blogs de tipo diário aqueles <strong>no</strong>s quais pre<strong>do</strong>mina uma temática<br />

informativa em detrimento de um conteú<strong>do</strong> pessoal e individual ou aqueles <strong>no</strong>s<br />

quais não subsiste o pacto autobiográfico. De acor<strong>do</strong> com Lejeune, o pacto autobiográfico<br />

estabelece uma identidade de <strong>no</strong>me entre autor, narra<strong>do</strong>r e personagem.<br />

Sem pacto autobiográfico não sobrevivem a autobiografia e o diário e, por conseqüência,<br />

o diário virtual íntimo (auto-reflexivo). Neste, tal identidade tem o reforço<br />

<strong>do</strong> suporte, pois a cada página corresponde um diário virtual íntimo, portanto, um<br />

mesmo autor, narra<strong>do</strong>r e personagem principal. Diversas vezes, <strong>no</strong> entanto, o autor<br />

<strong>no</strong> diário virtual íntimo estabelece <strong>no</strong>vas formas de acentuar essa característica, seja<br />

implicitamente, pelo uso de títulos que confirmam a identidade entre a primeira<br />

pessoa e o <strong>no</strong>me <strong>do</strong> autor, ou explicitamente, quan<strong>do</strong> o <strong>no</strong>me <strong>do</strong> autor coincide com<br />

o <strong>do</strong> narra<strong>do</strong>r-personagem. O <strong>no</strong>me de <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> diário virtual íntimo, que nem<br />

sempre coincide com o <strong>no</strong>me <strong>do</strong> diário e o <strong>no</strong>me da assinatura <strong>do</strong> post (metadata),<br />

também pode denunciar tal identidade.<br />

A construção composicional corresponde ao mo<strong>do</strong> de organizar o texto, de estruturá-lo.<br />

As características formais <strong>do</strong>s diários virtuais, entre elas, especialmente,<br />

a organização cro<strong>no</strong>lógica, fornecem o elemento composicional <strong>do</strong>s diários virtuais<br />

como pertencentes a um gênero <strong>discursivo</strong>. Nos diários virtuais analisa<strong>do</strong>s, as referências<br />

cro<strong>no</strong>lógicas são explícitas e facilmente identificáveis. Acima de cada texto,<br />

o autor remete a uma dimensão temporal, organizan<strong>do</strong>-os de forma cro<strong>no</strong>lógica,<br />

semelhante à de um diário.<br />

No entanto, se a referência temporal é facilmente identificada <strong>no</strong>s diários virtuais,<br />

a ancoragem espacial é facultativa. Nem to<strong>do</strong>s os autores de diários virtuais fornecem<br />

a localização espacial das cenas enunciativas. No diário virtual, ao contrário<br />

de uma carta, na qual o referente espacial é de suma importância, é mais relevante<br />

72 | BLOgS ÍNtIMOS: PERCuRSOS DE SENtIDO NO CONtEXtO DISCuRSIVO DO MEIO DIgItAL

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!