Maravilhosa Graça - Noiva de Cristo
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tremia enquanto ela lia a carta <strong>de</strong> apresentação. O nome da mulher era Babette. Ela havia perdido o marido e filho<br />
durante a guerra civil na França. Com a vida em perigo, tivera <strong>de</strong> fugir, e Papin lhe arranjara uma passagem em<br />
um navio com esperança <strong>de</strong> que essa al<strong>de</strong>ia lhe <strong>de</strong>monstrasse misericórdia. "Babette sabe cozinhar", dizia a carta.<br />
As irmãs não tinham dinheiro para pagar Babette e, antes <strong>de</strong> mais nada, não sabiam se <strong>de</strong>viam ter uma<br />
empregada. Desconfiaram <strong>de</strong> sua arte — os franceses não comiam cavalos e rãs? Mas, por meio <strong>de</strong> gestos e<br />
rogos, Babette amoleceu o coração <strong>de</strong>las. Ela po<strong>de</strong>ria fazer alguns serviços em troca <strong>de</strong> quarto e comida.<br />
Durante os doze anos seguintes Babette trabalhou para as irmãs. A primeira vez que Martine mostrou-lhe<br />
como cortar um bacalhau e cozinhar a papa, as sobrancelhas <strong>de</strong> Babette se elevaram e o seu nariz enrugou um<br />
pouco, mas nunca questionou suas tarefas. Ela alimentava os pobres na cida<strong>de</strong> e assumiu todas as tarefas<br />
domésticas. Até ajudava nos cultos <strong>de</strong> domingo. Todos tinham <strong>de</strong> concordar que Babette trouxe nova vida à<br />
estagnada comunida<strong>de</strong>.<br />
Uma vez que Babette nunca se referia ao seu passado na França, foi uma gran<strong>de</strong> surpresa para Martine e<br />
Philippa quando, um dia, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> doze anos, ela recebeu a primeira carta. Babette a leu, viu as irmãs <strong>de</strong> olhos<br />
arregalados e anunciou <strong>de</strong> maneira natural que uma coisa maravilhosa lhe havia acontecido. Todos os anos um<br />
amigo em Paris renovava o número <strong>de</strong> Babette na loteria francesa. Nesse ano, o seu bilhete fora premiado. Dez<br />
mil francos!<br />
As irmãs apertaram a mão <strong>de</strong> Babette, parabenizando-a, mas lá no fundo seus corações <strong>de</strong>sfaleceram. Sabiam<br />
que logo ela iria embora.<br />
A sorte gran<strong>de</strong> <strong>de</strong> Babette na loteria coincidiu com o momento em que as irmãs estavam discutindo sobre a<br />
celebração <strong>de</strong> uma festa em homenagem ao centenário do nascimento <strong>de</strong> seu pai. Babette lhes fez um pedido.<br />
Disse que em doze anos nunca lhes pedira nada. Elas assentiram. "Agora, porém, tenho um pedido: Gostaria <strong>de</strong><br />
preparar uma refeição para o culto <strong>de</strong> aniversário. Quero cozinhar uma verda<strong>de</strong>ira refeição francesa."<br />
Embora as irmãs tivessem sérias dúvidas a respeito <strong>de</strong>sse plano, Babette, sem nenhuma sombra <strong>de</strong> dúvida,<br />
estava certa <strong>de</strong> que nunca havia pedido nenhum favor em doze anos. Que escolha elas tinham a não ser<br />
concordar?<br />
Quando o dinheiro chegou da França, Babette fez uma rápida viagem para provi<strong>de</strong>nciar os arranjos para o<br />
jantar. Nas semanas que se seguiram à sua volta, os habitantes <strong>de</strong> Norre Vosburg foram surpreendidos com a<br />
visão <strong>de</strong> vários barcos ancorados <strong>de</strong>scarregando provisões para a cozinha <strong>de</strong> Babette. Trabalhadores empurravam<br />
carrinhos <strong>de</strong> mão cheios <strong>de</strong> gaiolas com pequenas aves. Caixas <strong>de</strong> champanhe — champagne! — e vinho logo se<br />
seguiram. A cabeça inteira <strong>de</strong> uma vaca, vegetais frescos, trufas, faisões, presunto, estranhas criaturas que viviam<br />
no mar, uma imensa tartaruga ainda viva mexendo a cabeça como a <strong>de</strong> uma cobra <strong>de</strong> um lado para o outro — tudo<br />
isso acabava na cozinha das irmãs agora firmemente dirigida por Babette.<br />
Martine e Philippa, alarmadas com os preparativos que mais pareciam <strong>de</strong> bruxa, explicavam a embaraçosa<br />
situação aos membros da seita, agora apenas onze pessoas, velhas e grisalhas. Todas manifestavam simpatia com<br />
elas. Depois <strong>de</strong> alguma discussão concordaram em comer a refeição francesa, refreando os comentários para que<br />
Babette não enten<strong>de</strong>sse mal. Línguas haviam sido feitas para louvor e ação <strong>de</strong> graças, e não para satisfazer gostos<br />
exóticos.<br />
Nevava no dia 15 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, o dia do jantar, iluminando a al<strong>de</strong>ia obscura com um brilho branco. As irmãs<br />
ficaram satisfeitas ao saber que um hóspe<strong>de</strong> inesperado se juntaria a elas: a senhora Loewenhielm, <strong>de</strong> noventa<br />
anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>, estaria acompanhada <strong>de</strong> seu sobrinho, o oficial <strong>de</strong> cavalaria que havia cortejado Martine tempos<br />
atrás, e agora era general no palácio real.<br />
Babette havia conseguido emprestadas louças e cristais suficientes, e havia enfeitado o recinto com velas e<br />
coníferas. A mesa estava linda. Quando a refeição começou todos os habitantes da al<strong>de</strong>ia se lembraram <strong>de</strong> seu<br />
pacto e ficaram mudos, como tartarugas ao redor <strong>de</strong> um lago. Apenas o general comentou a comida e a bebida.<br />
"Amontillado!", ele exclamou quando levantou o primeiro copo. "É o mais fino Amontillado que já provei."<br />
Quando experimentou a primeira colherada <strong>de</strong> sopa, o general po<strong>de</strong>ria jurar que era sopa <strong>de</strong> tartaruga, mas como<br />
se acharia tal coisa no litoral da Jutlândia?<br />
"Incrível!", disse o general quando experimentou o próximo prato. "É Blinis Demidoff!" Todos os outros<br />
convivas, as faces franzidas por profundas rugas, estavam comendo as mesmas <strong>de</strong>lica<strong>de</strong>zas raras sem nenhuma<br />
expressão ou comentários. Quando o general entusiasmado elogiou o champanhe, um Veuve Cliquot 1860,<br />
Babette or<strong>de</strong>nou ao seu ajudante <strong>de</strong> cozinha que mantivesse o copo do general cheio o tempo todo. Apenas ele<br />
parecia apreciar o que estava diante <strong>de</strong>le.<br />
Embora ninguém mais falasse a respeito da comida ou da bebida, gradualmente o banquete operou um efeito<br />
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