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Maravilhosa Graça - Noiva de Cristo

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mágico sobre os habitantes da al<strong>de</strong>ia. O seu sangue esquentou. Suas línguas se soltaram. Eles falaram dos velhos<br />

dias quando o pastor estava vivo e do Natal em que a baía congelou. O irmão que havia enganado o outro nos<br />

negócios finalmente confessou, e as duas mulheres que tinham uma rixa acabaram conversando. Uma mulher<br />

arrotou, e o irmão ao seu lado disse sem pensar: "Aleluia!".<br />

O general, entretanto, não conseguia falar <strong>de</strong> nada além da comida. Quando o ajudante da cozinha trouxe o<br />

coup <strong>de</strong> grâce, codornizes preparadas em Sarcophage, o general exclamou que vira tal prato apenas em um lugar<br />

na Europa, no famoso Café Anglais em Paris, o restaurante que já fora célebre por ter uma mulher como chefe-<strong>de</strong>cozinha.<br />

Cheio <strong>de</strong> vinho, o apetite satisfeito, incapaz <strong>de</strong> se conter, o general levantou-se para fazer um discurso. "A<br />

misericórdia e a verda<strong>de</strong>, meus amigos, se encontraram", ele começou. "A justiça e a bem-aventurança se<br />

beijaram." E, então, o general fez uma pausa, "pois — conforme comenta Isak Dinesen — ele tinha o hábito <strong>de</strong><br />

fazer os seus discursos com cuidado, consciente do seu propósito, mas aqui, no meio da simples congregação do<br />

pastor, foi como se toda a figura do General Loewenhielm, com seu peito coberto <strong>de</strong> con<strong>de</strong>corações, fosse portavoz<br />

<strong>de</strong> uma mensagem que tinha <strong>de</strong> ser transmitida". A mensagem do general era graça.<br />

Embora os irmãos e as irmãs da seita não compreen<strong>de</strong>ssem totalmente o discurso do general, naquele<br />

momento "as vãs ilusões <strong>de</strong>sta terra se dissolveram diante <strong>de</strong> seus olhos como fumaça, e eles viram o universo<br />

como ele realmente era". O pequeno grupo se <strong>de</strong>sfez e saiu para uma cida<strong>de</strong> coberta <strong>de</strong> neve brilhante sob um céu<br />

recoberto <strong>de</strong> estrelas.<br />

A "Festa <strong>de</strong> Babette" termina com duas cenas. Lá fora, os velhos se dão as mãos ao redor da fonte e cantam<br />

entusiasmados os velhos hinos da fé. É uma cena <strong>de</strong> comunhão: a festa <strong>de</strong> Babette abriu o portão e a graça entrou<br />

silenciosamente. Eles sentiram, acrescenta Isak Dinesen, "como se realmente tivessem os seus pecados lavados e<br />

tornados brancos como a lã, e nessas vestes inocentes recuperadas faziam brinca<strong>de</strong>iras como cor<strong>de</strong>irinhos<br />

travessos".<br />

A cena final acontece lá <strong>de</strong>ntro, na bagunça <strong>de</strong> uma cozinha cheia até o teto <strong>de</strong> louça para lavar, panelas<br />

engorduradas, conchas, carapaças, ossos cartilaginosos, engradados quebrados, cascas <strong>de</strong> vegetais e garrafas<br />

vazias. Babette senta-se no meio da bagunça, parecendo tão <strong>de</strong>sgastada quanto na noite em que chegara doze anos<br />

antes. Subitamente, as irmãs percebem que, <strong>de</strong> acordo com o seu voto, ninguém havia falado com Babette a<br />

respeito do jantar.<br />

— Foi um jantar e tanto, Babette — Martine diz para começar. Babette parece distante. Depois <strong>de</strong> um minuto<br />

ela respon<strong>de</strong>: — Eu era a cozinheira do Café Anglais.<br />

—Todos nós vamos-nos lembrar <strong>de</strong>sta noite quando você tiver voltado para Paris, Babette — Martine<br />

acrescenta, como se não a tivesse ouvido.<br />

Babette lhes diz que não vai voltar para Paris. Todos os seus amigos e parentes ali foram mortos ou feitos<br />

prisioneiros. E, naturalmente, seria muito caro voltar para Paris.<br />

— Mas e os <strong>de</strong>z mil francos? — as irmãs perguntam.<br />

Então Babette <strong>de</strong>ixa cair a bomba. Ela havia gasto tudo, cada franco dos <strong>de</strong>z mil que ganhara, na comida que<br />

haviam acabado <strong>de</strong> <strong>de</strong>vorar. — Não se assustem — ela lhes diz. — É isso que um jantar a<strong>de</strong>quado para doze custa<br />

no Café Anglais.<br />

No discurso do general, Isak Dinesen não <strong>de</strong>ixa dúvidas <strong>de</strong> que ela escreveu "A Festa <strong>de</strong> Babette" não apenas<br />

como uma história a respeito <strong>de</strong> uma excelente refeição, mas como uma parábola da graça: um presente que custa<br />

tudo para o doador e nada para o que recebeu. Isto é o que o General Loewenhielm disse aos carrancudos<br />

paroquianos reunidos ao redor da mesa <strong>de</strong> Babette:<br />

Todos nós fomos informados <strong>de</strong> que a graça <strong>de</strong>ve ser buscada no universo. Mas em nossa loucura humana e<br />

nossa visão reduzida imaginamos que a graça divina seja finita... Porém, chega o momento em que nossos<br />

olhos são abertos, e vemos e enten<strong>de</strong>mos que a graça é infinita. A graça, meus amigos, não exige nada <strong>de</strong> nós a<br />

não ser que a aguar<strong>de</strong>mos com confiança e a reconheçamos com gratidão.<br />

Doze anos antes, Babette aparecera entre aquelas pessoas <strong>de</strong>sprovidas <strong>de</strong> graça. Discípulas <strong>de</strong> Lutero, ouviam<br />

sermões a respeito da graça quase todos os domingos e no restante da semana tentavam obter o favor <strong>de</strong> Deus<br />

com a sua pieda<strong>de</strong> e renúncia. A graça veio a elas na forma <strong>de</strong> uma festa, a festa <strong>de</strong> Babette, uma refeição<br />

<strong>de</strong>sperdiçando uma vida inteira sobre aqueles que não a haviam merecido, que mal possuíam a faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

recebê-la. A graça veio a Norre Vosburg como sempre vem: livre <strong>de</strong> pagamento, sem cordas amarradas, como<br />

oferta da casa.<br />

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