Maravilhosa Graça - Noiva de Cristo
Maravilhosa Graça - Noiva de Cristo
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Karr 4 conta a história <strong>de</strong> um tio do Texas que continuou casado, mas não falava com a esposa há quarenta anos,<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> uma briga por causa do quanto ela gastava com açúcar. Um dia ele pegou uma serra e dividiu sua casa<br />
exatamente no meio. Pregou tábuas nos lados cortados pela serra e empurrou uma das meta<strong>de</strong>s para trás <strong>de</strong> um<br />
bosque <strong>de</strong> pinheiros no mesmo terreno. São dois, marido e mulher, vivendo o resto <strong>de</strong> seus dias em casas<br />
separadas.<br />
O perdão oferece uma saída. Ele não resolve todas as questões da culpa e da justiça — com freqüência<br />
claramente foge <strong>de</strong>ssas questões —, mas permite um relacionamento renovado, que começa outra vez. Desse<br />
modo, disse Solzhenitsyn, nós diferimos <strong>de</strong> todos os animais. Não é a nossa capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pensar, mas a nossa<br />
capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nos arrepen<strong>de</strong>rmos e perdoar que nos torna diferentes. Apenas seres humanos po<strong>de</strong>m realizar esse<br />
ato antinatural, que transcen<strong>de</strong> a implacável lei da natureza.<br />
Se não transcen<strong>de</strong>mos a natureza, continuamos amarrados a pessoas que não po<strong>de</strong>mos perdoar, presos em suas<br />
garras apertadas. Este princípio se aplica até mesmo quando uma das partes é totalmente inocente e a outra,<br />
totalmente culpada, pois a parte inocente vai carregar a ferida até que consiga encontrar um caminho para receber<br />
alívio. E o perdão é o único caminho. Oscar Hijuelos escreveu um romance comovente, Mr. Ives' Christmas [O<br />
Natal do sr. Ives], a respeito <strong>de</strong> um homem que é sufocado pela amargura até que, <strong>de</strong> alguma forma, <strong>de</strong>scobre que<br />
po<strong>de</strong> perdoar o criminoso latino que assassinou seu filho. Embora o próprio Ives não fizesse nada <strong>de</strong> errado,<br />
durante décadas o assassino o manteve como prisioneiro emocional.<br />
Às vezes, divago e imagino um mundo sem perdão. O que aconteceria se cada filho alimentasse<br />
ressentimentos contra seus pais e cada família passasse as inimiza<strong>de</strong>s para as futuras gerações? Mencionei uma<br />
família — Daisy, Margaret e Michael — e o vírus da <strong>de</strong>sgraça que afligiu a todos. Eu conheço, respeito e <strong>de</strong>sfruto<br />
da amiza<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada membro <strong>de</strong>ssa família, separadamente. Mas, embora partilhem <strong>de</strong> quase o mesmo código<br />
genético, hoje não conseguem ficar sentados juntos na mesma sala. Todos eles me têm protestado a sua inocência<br />
— mas os inocentes também sofrem os resultados da falta <strong>de</strong> graça. "Não quero vê-lo nunca mais enquanto<br />
viver!", Margaret gritou para o filho. Ela foi atendida, e agora sofre por causa disso todos os dias. Posso ver o<br />
sofrimento na estreiteza <strong>de</strong> seus olhos e na tensão do seu maxilar todas as vezes em que pronuncio o nome<br />
"Michael".<br />
Deixo que minha imaginação avance mais, para um mundo no qual cada ex-colônia abriga ressentimentos<br />
contra o seu ex-governo imperial, cada raça o<strong>de</strong>ia as outras raças e cada tribo luta com suas rivais como se todos<br />
os agravos da história se acumulassem por trás <strong>de</strong> cada contato entre nações, raças e tribos. Fico <strong>de</strong>primido<br />
quando imagino tais cenas porque elas parecem estar tão próximas da história que existe hoje. Como disse<br />
Hannah Arendt, a filósofa judia, o único remédio para a inevitabilida<strong>de</strong> da história é o perdão; caso contrário,<br />
continuamos presos na "embaraçosa situação da irreversibilida<strong>de</strong>".<br />
Não perdoar me aprisiona ao passado e exclui todo potencial <strong>de</strong> mudança. Assim, transfiro o controle ao<br />
outro, meu inimigo, e me con<strong>de</strong>no a sofrer as conseqüências do erro. Uma vez ouvi um rabino imigrante fazer<br />
uma <strong>de</strong>claração espantosa. "Antes <strong>de</strong> vir para a América, precisei perdoar Adolf Hitler", ele disse. "Eu não queria<br />
trazer Hitler <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim para meu novo país."<br />
Nós perdoamos não apenas para cumprir alguma lei mais elevada <strong>de</strong> moralida<strong>de</strong>; fazemo-lo por nós mesmos.<br />
Como Lewis Sme<strong>de</strong>s 5 <strong>de</strong>staca: "A primeira e geralmente única pessoa a ser curada pelo perdão é a pessoa que<br />
perdoa... Quando genuinamente perdoamos, libertamos um prisioneiro e então <strong>de</strong>scobrimos que o prisioneiro que<br />
libertamos éramos nós".<br />
Para o José da Bíblia, que tinha um ressentimento justificado contra seus irmãos, o perdão <strong>de</strong>rramou-se na forma<br />
<strong>de</strong> lágrimas e gemidos. Estes, como um trabalho <strong>de</strong> parto, foram arautos da libertação e, por meio <strong>de</strong>les, José<br />
finalmente obteve a liberda<strong>de</strong>. Ele chamou seu filho <strong>de</strong> Manasses, que significa "aquele que induz a ser<br />
perdoado". A única coisa mais difícil do que o perdão é não perdoar.<br />
O segundo gran<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r do perdão é que ele po<strong>de</strong> aliviar a força opressora da culpa no perpetrador.<br />
A culpa faz sua obra corrosiva mesmo quando conscientemente é "reprimida. Em 1993, um membro da Ku<br />
Klux Klan chamado Henry Alexan<strong>de</strong>r fez uma confissão à esposa. Em 1957, ele e diversos outros membros da<br />
organização arrancaram um motorista negro da cabine <strong>de</strong> seu caminhão, levaram-no para uma ponte <strong>de</strong>serta por<br />
cima <strong>de</strong> um caudaloso rio e o fizeram pular dali, gritando, para que morresse. Alexan<strong>de</strong>r foi acusado pelo crime<br />
em 1976 — levou quase vinte anos para ser julgado —, alegou inocência e foi absolvido por um júri <strong>de</strong> brancos.<br />
Durante trinta e seis anos ele insistiu em sua inocência, até 1993, quando confessou a verda<strong>de</strong> à esposa. "Nem sei<br />
o que Deus planejou para mim. Nem mesmo sei como orar por mim mesmo", ele lhe disse. Alguns dias <strong>de</strong>pois,<br />
morreu.<br />
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