Maravilhosa Graça - Noiva de Cristo
Maravilhosa Graça - Noiva de Cristo
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é dolorosamente difícil e, muito tempo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> você perdoar, a ferida — minhas atitu<strong>de</strong>s pusilânimes —<br />
continua na lembrança. O perdão é um ato nada natural. E minha esposa estava protestando contra a sua injustiça<br />
espalhafatosa.<br />
Uma história do Gênesis capta muito <strong>de</strong>sse mesmo sentimento. Quando eu era criança e ouvia a história na<br />
Escola Dominical, não conseguia enten<strong>de</strong>r as voltas e os <strong>de</strong>svios da reconciliação <strong>de</strong> José com seus irmãos. Em<br />
um momento José agia com ru<strong>de</strong>za, jogando seus irmãos na prisão; a seguir parecia estar sobrepujado pela<br />
tristeza, para sair da sala e <strong>de</strong>bulhar-se em lágrimas como um bêbado. Ele foi ardiloso com os irmãos, escon<strong>de</strong>ndo<br />
o dinheiro em seus sacos <strong>de</strong> mantimentos, mantendo um <strong>de</strong>les como refém, acusando outro <strong>de</strong> roubar o seu copo<br />
<strong>de</strong> prata. Durante meses, talvez anos, essas intrigas prolongaram-se até que, finalmente, José não agüentou mais.<br />
Convocou seus irmãos e dramaticamente os perdoou.<br />
Agora vejo esta história como uma <strong>de</strong>scrição realista do ato nada natural do perdão. Os irmãos que José lutou<br />
para perdoar foram exatamente os mesmos que o haviam maltratado, que tinham armado planos para matá-lo, que<br />
o haviam vendido como escravo. Por causa <strong>de</strong>les ele havia passado os melhores anos <strong>de</strong> sua juventu<strong>de</strong> mofando<br />
em uma prisão egípcia. Mesmo tendo triunfado na adversida<strong>de</strong> e mesmo <strong>de</strong>sejando <strong>de</strong> todo o seu coração perdoar<br />
aqueles irmãos, não conseguia fazer isso. A ferida ainda doía muito.<br />
Vejo o texto <strong>de</strong> Gênesis 42-45 como a maneira <strong>de</strong> José dizer: "Acho espantoso que eu lhes perdoe pelas<br />
atitu<strong>de</strong>s pusilânimes que vocês tiveram!". Quando a graça finalmente irrompeu sobre José, o som <strong>de</strong> sua tristeza e<br />
amor fizeram eco através do palácio. Que gemidos são esses? O ministro do rei está doente? Não, a saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> José<br />
vai bem. Era o som <strong>de</strong> um homem perdoando.<br />
Por trás <strong>de</strong> cada ato <strong>de</strong> perdão jaz uma ferida <strong>de</strong> traição, e a dor <strong>de</strong> ser traído não se <strong>de</strong>svanece facilmente.<br />
Leão Tolstói 1 achou que iniciaria bem seu casamento permitindo que a noiva adolescente lesse seus diários, que<br />
registravam com sensacionais <strong>de</strong>talhes todas as suas brinca<strong>de</strong>iras sexuais. Ele não queria guardar segredos para<br />
Sonya -queria iniciar um casamento com ficha limpa, perdoado. Em vez disso, a confissão <strong>de</strong> Tolstói semeou as<br />
sementes <strong>de</strong> um casamento que seria sustentado com vi<strong>de</strong>s do ódio, e não <strong>de</strong> amor.<br />
"Quando ele me beija, estou sempre pensando: 'Eu não sou a primeira mulher que ele amou'", escreveu Sonya<br />
Tolstói em seu diário. Alguns impulsos adolescentes do marido ela conseguia perdoar, mas não o caso com<br />
Axinya, uma mulher camponesa que continuou trabalhando na proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Tolstói.<br />
"Um dia <strong>de</strong>stes eu me mato por ciúmes", Sonya escreveu <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> ver o filho <strong>de</strong> três anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> da<br />
camponesa, a imagem exata do seu marido. "Se eu pu<strong>de</strong>sse matá-lo (Tolstói) e criar uma pessoa nova exatamente<br />
como ele é agora, eu o faria alegremente."<br />
Outra anotação no diário datada <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong> janeiro <strong>de</strong> 1909: "Ele gosta daquela prostituta camponesa com o forte<br />
corpo <strong>de</strong> fêmea e pernas queimadas <strong>de</strong> sol, ela o atrai tão po<strong>de</strong>rosamente agora como fazia durante todos aqueles<br />
anos passados...". Sonya escreveu essas palavras quando Axinya era uma encarquilhada velha <strong>de</strong> oitenta anos.<br />
Durante meio século o ciúme e a falta <strong>de</strong> perdão a <strong>de</strong>ixaram cega, no processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>struir todo o amor pelo<br />
marido.<br />
Contra um po<strong>de</strong>r tão maligno, que chance tem a reação cristã? O perdão é um ato nada natural — Sonya<br />
Tolstói, José e minha esposa expressaram essa verda<strong>de</strong> como por instinto.<br />
Todos nós já sabemos O que todo escolar apren<strong>de</strong>: Quem é alvo do mal, Com mal vai revidar.<br />
W. H. Au<strong>de</strong>n, 2 que escreveu essas linhas, enten<strong>de</strong>u que a lei da natureza não admite perdão. Os esquilos<br />
perdoam os gatos que correm atrás <strong>de</strong>les pelas árvores acima, ou os golfinhos perdoam os tubarões por comerem<br />
seus companheiros <strong>de</strong> folguedos? O mundo aqui fora é <strong>de</strong> "um-<strong>de</strong>vora-o-oütro", e não <strong>de</strong> "um-perdoa-o-outro".<br />
Quanto à espécie humana, nossas maiores instituições — financeiras, políticas e até mesmo as esportivas —<br />
funcionam com o mesmo princípio inexorável. Um treinador nunca anuncia: "Vocês estão realmente acabados,<br />
mas por causa <strong>de</strong> seu bom comportamento digo que vocês vão ganhar". Ou que nação reage a seus beligerantes<br />
vizinhos com a proclamação: "Vocês estão certos, nós violamos suas fronteiras. Por favor, perdoem-nos"?<br />
O próprio sabor do perdão parece, <strong>de</strong> alguma forma, errado. Mesmo quando cometemos um erro, queremos<br />
retornar à simpatia da parte injuriada. Preferimos rastejar <strong>de</strong> joelhos, chafurdar, fazer penitência, matar um<br />
cor<strong>de</strong>iro — e a religião com freqüência nos obriga a isso. Quando o Imperador Henrique IV do Santo Império<br />
Romano <strong>de</strong>cidiu buscar o perdão do Papa Gregório VII em 1077, permaneceu <strong>de</strong>scalço por três dias na neve do<br />
lado <strong>de</strong> fora do aposento papal na Itália. Provavelmente, Henrique voltou para casa satisfeito, usando as cicatrizes<br />
provocadas pelo congelamento como estigma do perdão. "Apesar <strong>de</strong> já termos ouvido uma centena <strong>de</strong> sermões a<br />
respeito do perdão, não perdoamos facilmente, nem somos facilmente perdoados. Descobrimos que o perdão é<br />
sempre mais difícil do que os sermões o fazem parecer", escreve Elizabeth O'Connor. 3 Acalentamos feridas,<br />
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