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Maravilhosa Graça - Noiva de Cristo

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ouve-se o ladrar <strong>de</strong> um cão, as nações aguardam inflamadas,<br />

cada uma com seu ódio, separadas.<br />

W. H. Au<strong>de</strong>n<br />

CAPÍTULO 9<br />

ACERTO DE CONTAS<br />

No meio da recente guerra na antiga Iugoslávia, peguei um livro que havia lido há vários anos: The Sunflower [O<br />

girassol], <strong>de</strong> Simon Wiesenthal. 1 Ele narra um pequeno inci<strong>de</strong>nte ocorrido durante a mais bem-sucedida<br />

campanha <strong>de</strong> "purificação étnica" <strong>de</strong>ste século, um inci<strong>de</strong>nte que explica bastante o que impeliu Wiesenthal a se<br />

tornar o principal caçador <strong>de</strong> nazistas e uma incansável voz pública contra os crimes do ódio. O livro centraliza-se<br />

sobre o perdão, e eu o busquei para ter uma visão do que o perdão po<strong>de</strong>ria fazer globalmente — no atoleiro moral,<br />

digamos, do que foi antes a Iugoslávia.<br />

Em 1944, Wiesenthal era um jovem prisioneiro polonês entre os nazistas. Ele tinha presenciado, in<strong>de</strong>feso,<br />

quando soldados nazistas assassinaram sua avó sobre a escadaria <strong>de</strong> sua casa e quando eles forçaram sua mãe a<br />

entrar em um vagão <strong>de</strong> carga abarrotado <strong>de</strong> mulheres judias idosas. Somados, oitenta e nove <strong>de</strong> seus parentes<br />

ju<strong>de</strong>us morreriam nas mãos dos nazistas. O próprio Wiesenthal tentou cometer suicídio quando foi capturado.<br />

Em um luminoso e ensolarado dia, quando o <strong>de</strong>stacamento da prisão para on<strong>de</strong> Wiesenthal havia sido levado<br />

estava limpando o lixo <strong>de</strong> um hospital para feridos germânicos, uma enfermeira se aproximou <strong>de</strong>le. "Você é<br />

ju<strong>de</strong>u?", ela perguntou hesitante, e <strong>de</strong>pois lhe fez sinal para que a acompanhasse. Apreensivo, Wiesenthal a seguiu<br />

por uma escadaria acima e <strong>de</strong>pois por um corredor até que chegaram a um quarto escuro, cheio <strong>de</strong> mofo, on<strong>de</strong> um<br />

soldado solitário jazia enfaixado. Faixas <strong>de</strong> gaze branca envolviam o rosto do homem, com aberturas para a boca,<br />

o nariz e as orelhas.<br />

A enfermeira <strong>de</strong>sapareceu, fechando a porta atrás <strong>de</strong>la para <strong>de</strong>ixar o jovem prisioneiro sozinho com a espectral<br />

figura. O homem ferido era um oficial da SS, e ele mandara chamar Wiesenthal para uma confissão <strong>de</strong> leito <strong>de</strong><br />

morte. "Meu nome é Karl", disse uma voz rouca que vinha <strong>de</strong> algum lugar <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro das ataduras. "Preciso lhe<br />

contar a respeito <strong>de</strong>sta coisa horrível — contar a você porque você é ju<strong>de</strong>u."<br />

Karl começou sua história lembrando sua criação católica e a fé da infância, que havia perdido na Juventu<strong>de</strong><br />

Hitlerista. Mais tar<strong>de</strong> se oferecera como voluntário para a SS e servira com distinção, retornando apenas<br />

recentemente, muito ferido, do front russo.<br />

Por três vezes, enquanto Karl tentava contar sua história, Wiesenthal se afastou para sair. Todas as vezes o<br />

oficial esten<strong>de</strong>u a mão branca, quase sem sangue, para agarrar o braço <strong>de</strong>le. Implorou-lhe que ouvisse o que tinha<br />

acabado <strong>de</strong> experimentar na Ucrânia.<br />

Na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Dnyepropetrovsk, a unida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Karl tropeçou sobre armadilhas <strong>de</strong> minas abandonadas pelos<br />

russos em retirada, as quais mataram trinta dos seus soldados. Em um ato <strong>de</strong> vingança os SS reuniram trezentos<br />

ju<strong>de</strong>us, ajuntaram-nos em uma casa <strong>de</strong> três andares, espalharam gasolina e jogaram granadas nela. Karl e seus<br />

homens fizeram um círculo ao redor da casa, com as armas engatilhadas para atirar contra qualquer um que<br />

tentasse escapar.<br />

"Os gritos que vinham da casa eram horríveis", ele disse, revivendo a cena. "Vi um homem com uma<br />

criancinha nos braços. Suas roupas estavam em chamas. Ao lado havia uma mulher, sem dúvida a mãe da criança.<br />

Com a mão livre, o homem cobria os olhos da criança, <strong>de</strong>pois ele pulou para a rua. Segundos <strong>de</strong>pois a mãe o<br />

seguiu. Então, das outras janelas caíram corpos em chamas. Nós atiramos... Oh, Deus!"<br />

O tempo todo Simon Wiesenthal ficou em silêncio, <strong>de</strong>ixando o soldado germânico falar. Karl continuou<br />

<strong>de</strong>screvendo outras atrocida<strong>de</strong>s, mas voltava sempre à cena do menino <strong>de</strong> cabelos negros e olhos escuros, caindo<br />

<strong>de</strong> um edifício, alvo das dos tiros dos SS. "Estou abandonado aqui com a minha culpa", ele concluiu finalmente:<br />

Nas últimas horas <strong>de</strong> minha vida você está comigo. Eu não sei quem você é, apenas sei que é ju<strong>de</strong>u e isso<br />

basta.<br />

Eu sei que o que lhe contei é terrível. Nas longas noites enquanto aguardo a morte, <strong>de</strong> novo e <strong>de</strong> novo tenho<br />

<strong>de</strong>sejado conversar a respeito disso com um ju<strong>de</strong>u e pedir perdão a ele. Apenas não sabia se havia ainda ju<strong>de</strong>us<br />

com vida... Sei que o que estou pedindo é quase impossível para você, mas sem a sua resposta não posso<br />

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