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Download - Mestrado em Música e Artes Cênicas - UFG

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Ao se comparar os três momentos <strong>em</strong> que o verso inicial do po<strong>em</strong>a aparece no melodrama<br />

de Schoenberg é possível observar que nenhum desses três pontos da peça é igual ao outro.<br />

Entretanto, as relações formais e motívicas entre tais pontos são evidentes, ao mesmo t<strong>em</strong>po <strong>em</strong><br />

que as modificações verificadas contribu<strong>em</strong> para que as passagens mencionadas realiz<strong>em</strong> a função<br />

proposta por Danuser de terminação parcial e conclusão. É possível estabelecer uma analogia entre<br />

a importância do verso inicial (“Santas cruzes são os versos”) para o po<strong>em</strong>a, repetido três vezes, e<br />

o papel des<strong>em</strong>penhado pelo trecho correspondente da música, onde são apresentados os motivos<br />

que Phylis Bryn-Julson e Paul Mathews d<strong>em</strong>onstram ser os principais (confrontar BRYN-JULSON;<br />

MATHEWS, 2009. ps. 168-174). E tais motivos, constituídos respectivamente pelos dois primeiros<br />

acordes do piano, pelas quatro primeiras notas da voz e pelas quatro notas seguintes da voz,<br />

são referidos de maneira mais clara por ocasião dos retornos do verso inicial. No primeiro desses<br />

retornos há ao mesmo t<strong>em</strong>po um sentido de intensificação expressiva, já que a voz utiliza notas<br />

prolongadas <strong>em</strong> sua região mais aguda e o piano apresenta acordes densos <strong>em</strong> rápida sucessão.<br />

No último retorno do verso inicial a linha vocal é claramente derivada do início da peça, de<br />

maneira que as quatro primeiras notas do verso final são praticamente uma transposição quinta<br />

acima da passag<strong>em</strong> correspondente no primeiro verso desse melodrama. O retorno ao motivo inicial<br />

do piano é adiado por alguns compassos, para que os dois primeiros acordes da peça, com algumas<br />

notas adicionais, sejam reapresentados como os acordes finais desse movimento.<br />

Por outro lado, se Schoenberg considerava o texto como um recurso para auxiliar a estruturar<br />

suas composições, ele associava aos el<strong>em</strong>entos formais e às imagens do texto aspectos de sua<br />

escrita musical como a instrumentação e a harmonia. Assim, a já comentada volta dos versos iniciais<br />

como versos 7 e 8 corresponde ao retorno a uma escrita pianística formada por acordes tocados<br />

<strong>em</strong> bloco, verticalmente. Schoenberg divide a sua composição <strong>em</strong> duas grandes seções, sendo<br />

que a segunda seção corresponde à terceira estrofe do po<strong>em</strong>a e tal articulação formal é caracterizada<br />

<strong>em</strong> primeiro lugar pela instrumentação: na seção inicial a recitante é acompanhada apenas<br />

pelo piano e na seção final por cinco instrumentos (piano, flauta, clarinete, violino e violoncelo),<br />

d<strong>em</strong>onstrando que no caso dessa peça é pertinente a observação de Danuser: “um acompanhamento<br />

sist<strong>em</strong>aticamente diferenciado é parte de um pensamento formal que marca tanto cada melodrama<br />

individualmente como também o ciclo Pierrot Lunaire como um todo” (DANUSER, 2004.<br />

p. 182). E, se segundo Dunsby a passag<strong>em</strong> do texto na qual se inicia a terceira estrofe “A cabeça<br />

morta, endurecidos os cachos [dos cabelos]” é musicada de maneira a realizar “uma representação<br />

imóvel da morte” (DUNSBY, 1992. p. 58), tal passag<strong>em</strong> da música apresenta também um notável<br />

contraste de dinâmica e harmonia <strong>em</strong> relação ao trecho precedente (além do já comentado<br />

contraste de instrumentação). Assim, no final da segunda estrofe o piano realizava <strong>em</strong> ff uma harmonia<br />

vertiginosa onde a cada s<strong>em</strong>icolcheia havia um novo acorde e no início da terceira estrofe<br />

os outros instrumentos entram <strong>em</strong> pp e <strong>em</strong> uma harmonia estática, de maneira que um mi b<strong>em</strong>ol<br />

grave se estabelece durante mais de três compassos no violoncelo, <strong>em</strong> boa parte dos quais os outros<br />

instrumentos ficam igualmente paralisados, cada um deles utilizando uma ou duas notas apenas.<br />

Tal recolhimento da dinâmica e da harmonia também é estratégico, permitindo que a música<br />

posteriormente realize um novo crescendo que conduz ao final da peça.<br />

Assim se conclui que o exame comparado entre as recorrências que se verificam <strong>em</strong> uma<br />

peça musical e no po<strong>em</strong>a que lhe serve de base é um ponto de partida válido para a análise da<br />

obra Kreuze de Schoenberg. A partir da reflexão realizada no início desta comunicação, acreditase<br />

que tal procedimento possa ser pertinente à análise de outras obras vocais.<br />

REFERÊNCIAS<br />

Livros<br />

BANDEIRA, Manuel. Poesia Completa e Prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1983.<br />

BRYN-JULSON, Phyllis; MATHEWS, Paul. Inside Pierrot Lunaire: Performing the Sprechstimme in Schoenberg’s<br />

masterpiece. Maryland: Scare Crow Press, INC., 2009.<br />

106<br />

Anais do XII S<strong>em</strong>p<strong>em</strong>

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