Download - Mestrado em Música e Artes Cênicas - UFG
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pular e a crítica ao contexto socioeconômico mundial, destacando o terceiro mundo como uma<br />
região, que <strong>em</strong>bora subordinada às nações desenvolvidas, é dotada de culturas supostamente<br />
mais criativas.<br />
Seguindo a lógica dos textos do encarte, Tom Zé se coloca como um dos “androides do terceiro<br />
mundo” que produziu um disco “com defeito de fabricação”. Contudo, a produção do disco<br />
envolveu uma ampla equipe de profissionais músicos, artistas, engenheiros de som e diretores de<br />
arte, além de equipamentos e estruturas de produção de várias regiões do mundo, inclusive de dois<br />
estúdios muito b<strong>em</strong> equipados de Nova York. A partir daí, parece existir cera ironia implícita no<br />
título do disco, pois as músicas passaram sim por um tratamento técnico de um estúdio especializado,<br />
que procurou aproximar as estridências e ruídos de padrões técnicos aceitáveis pela indústria<br />
cultural. No artigo Canção, estúdio e tensividade de 1990, Tatit afirma que viv<strong>em</strong>os na fase do<br />
hom<strong>em</strong> de estúdio, um profissional que através do processo de mixag<strong>em</strong>, “visa dominar os efeitos<br />
de tensividade, b<strong>em</strong> como os de des-tensividade, por intermédio dos recursos ininterruptamente<br />
aprimorados da eletrônica” (TATIT, 1990: 44).<br />
Deste modo, é possível identificar no disco de Tom Zé uma dialética entre o projeto da<br />
perfeição da indústria cultural, que se expressa nos resultados dos trabalhos de mixag<strong>em</strong> com<br />
processos de equalização, distribuição de timbres no espaço sonoro, reverberação, etc, e uma<br />
estética da imperfeição presente na incorporação de sons ruidosos e estridentes aos arranjos.<br />
Em resumo, poder-se-ia dizer que a produção de Tom Zé se insere numa dinâmica globalizada<br />
do mercado internacional fonográfico, marcado pela tentativa da indústria cultural de conciliar<br />
a apropriação de símbolos culturais locais (que interessam pelo potencial comercial e que<br />
contribu<strong>em</strong> para o discurso de uma suposta diversidade cultural) com processos de padronização<br />
musical (mixag<strong>em</strong>, masterização), necessários para compatibilizar um produto ao mercado<br />
de consumo.<br />
Mesmo atuando no mercado fonográfico global, caracterizado pelo monopólio de poucas<br />
gravadoras e grupos <strong>em</strong>presariais que cuidam principalmente de seus interesses financeiros, fazendo<br />
com que a cultura passe a “ser hierarquizada não mais de acordo com suas vendas, mas conforme<br />
sua capacidade de vender” (NETTO, 2008: 154), Tom Zé se consagra, contraditoriamente,<br />
através de sua criatividade e singularidade musical que incorpora a imperfeição explicitamente <strong>em</strong><br />
suas canções, renegando os padrões da música de consumo.<br />
As faixas-defeito “Emerê” e “O Olho do Lago”<br />
“Emerê” foi concebida <strong>em</strong> parceria com José Miguel Wisnik e, na contracapa do disco,<br />
Tom Zé deixa claro que se baseou nos “cantos de trabalho de uma escravatura anterior, conforme<br />
o Brasil bucólico que as esquerdas queriam” (ZÉ, 1998). Observando esta música dentro<br />
da perspectiva t<strong>em</strong>ática do disco, é possível afirmar que ela representa um dos “defeitos” antigos<br />
dos “androides” – a herança do período de escravatura que o país teve. Com o som de uma<br />
ferramenta martelando um pilão do começo ao fim, a música simula um canto de trabalho e ao<br />
longo de sua execução, o entonar de uma melodia por Tom Zé junto com sons de piano e uma<br />
rabeca faz<strong>em</strong> intervenções que dão forma ao arranjo. A música t<strong>em</strong> a sonoridade de uma canção,<br />
mas não t<strong>em</strong> letra e se distingue das canções de massa padronizadas devido à ausência de<br />
polarizações clímax/anticlímax, ausência de refrão e também à incorporação sist<strong>em</strong>ática de ruídos<br />
ao arranjo.<br />
Em “O Olho do Lago”, Tom Zé se baseou <strong>em</strong> uma poesia concreta de Cid Campos para<br />
compor a música. Também nesta música são incorporadas sonoridades imperfeitas, desta<br />
vez, através do som de uma máquina industrial. De maneira análoga aos concretistas franceses<br />
Schaeffer e Pierre Henry, Tom Zé utiliza sons de máquina e sons comuns da vida cotidiana de uma<br />
maneira musical e, assim, traz um procedimento musical do concretismo para a música popular.<br />
Ele utiliza tais sons como um recurso do arranjo da música, s<strong>em</strong>pre antecedendo o início de uma<br />
nova seção.<br />
60<br />
Anais do XII S<strong>em</strong>p<strong>em</strong>