conteúdo integral do livro - Assembleia da República
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O Sr. Presidente: — Tem a palavra S. Ex.ª<br />
o Presidente <strong>da</strong> <strong>República</strong>.<br />
O Sr. Presidente <strong>da</strong> <strong>República</strong> Ramalho<br />
Eanes: — Sr. Presidente <strong>da</strong> <strong>Assembleia</strong> <strong>da</strong> <strong>República</strong>, Sr.<br />
Presidente <strong>do</strong> Supremo Tribunal de Justiça, Sr. Primeiro-<br />
-Ministro, Sr. Chefe <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>-Maior <strong>da</strong>s Forças Arma<strong>da</strong>s, Srs.<br />
Conselheiros <strong>da</strong> Revolução, Srs. Deputa<strong>do</strong>s, Portugueses:<br />
Estamos a viver tempos difíceis. Para muitos, tempos de desilusão<br />
e de frustração, porque não encontram o resulta<strong>do</strong> <strong>da</strong>s promessas<br />
em que acreditaram e que a liber<strong>da</strong>de e a democracia justificam.<br />
De na<strong>da</strong> servirá pretender ocultar o desânimo e as críticas que,<br />
por to<strong>da</strong>s as formas, nos são transmiti<strong>da</strong>s.<br />
Aqueles que, na vontade <strong>do</strong> povo, encontram e assumem a sua<br />
legitimi<strong>da</strong>de têm a obrigação indiscutível de reconhecer os factos<br />
tal como eles são. Esta é uma condição elementar de realismo.<br />
Mas é também essencial que to<strong>do</strong>s os responsáveis democráticos<br />
assumam a ver<strong>da</strong>de e as dificul<strong>da</strong>des, sem o disfarce <strong>da</strong> propagan<strong>da</strong><br />
nem o <strong>da</strong> manipulação ideológica.<br />
Só assim o apoio que recebem numa eleição é, como to<strong>do</strong> o poder<br />
em democracia, uma reali<strong>da</strong>de contingente, dependente <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de<br />
que mostrarem ter para além desse momento eleitoral.<br />
É também obrigação de to<strong>do</strong>s os democratas não perder o senti<strong>do</strong><br />
<strong>da</strong>s perspectivas política e histórica em que se perfilam as reais<br />
dificul<strong>da</strong>des que se vivem no presente.<br />
Ao contrário <strong>do</strong>s candi<strong>da</strong>tos a dita<strong>do</strong>res, os democratas recusam a<br />
promessa de absolutos, as críticas demagógicas, a viciação delibera<strong>da</strong><br />
<strong>da</strong>s reali<strong>da</strong>des históricas. Em democracia somos to<strong>do</strong>s<br />
responsáveis. Por isso, são indica<strong>do</strong>res claros de que é preciso rever<br />
atitudes e decisões, os tempos difíceis que vivemos, os sinais de<br />
indefinição que se acumulam no nosso futuro, o desencanto e a<br />
per<strong>da</strong> de esperança que já se verificam em diversos comportamentos<br />
sociais. Estes indica<strong>do</strong>res dizem-nos que é preciso afirmar o<br />
senti<strong>do</strong> <strong>da</strong> negociação e <strong>do</strong> entendimento, mostram-nos que é<br />
urgente refazer a esperança, enfrentan<strong>do</strong> os desafios sem fraquezas,<br />
com competência e com honesti<strong>da</strong>de. São estes os objectivos<br />
essenciais <strong>do</strong> 25 de Abril, são estes os valores constantes <strong>do</strong> 25 de<br />
Abril, é esta a mensagem orienta<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> 25 de Abril para o nosso<br />
futuro. Não se justificaria continuar a comemorar esta <strong>da</strong>ta se o<br />
seu significa<strong>do</strong> ficasse confina<strong>do</strong> ao acto, localiza<strong>do</strong> no tempo, <strong>do</strong><br />
derrube de um regime autoritário, moralmente indefensável,<br />
socialmente injusto. O que hoje comemoramos não é o fim <strong>da</strong><br />
ditadura, mas sim a afirmação <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> responsabili<strong>da</strong>de<br />
Sessão solene comemorativa <strong>do</strong> 25 de Abril<br />
1982<br />
Ramalho Eanes<br />
Presidente <strong>da</strong> <strong>República</strong><br />
215<br />
democrática, <strong>da</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de social. O que hoje comemoramos é<br />
a afirmação de uma moral política onde a justiça, em to<strong>do</strong>s os<br />
seus <strong>do</strong>mínios, não seja um mero artifício de linguagem que<br />
encobre a vontade de opressão e de exploração.<br />
O 25 de Abril prometeu e realizou, pela obra colectiva de to<strong>do</strong>s<br />
os portugueses, a institucionalização <strong>da</strong> democracia política,<br />
devolven<strong>do</strong> a ca<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>dão a liber<strong>da</strong>de na acção política e a legitimação<br />
<strong>do</strong> poder de ca<strong>da</strong> um, através <strong>do</strong> seu voto, em sufrágios<br />
livres e respeita<strong>do</strong>s.<br />
É essa a conquista real que continuamos a comemorar, homenagean<strong>do</strong><br />
os homens e as mulheres que a realizaram e que a<br />
prolongam no futuro. A democracia que hoje vivemos, fun<strong>da</strong><strong>da</strong><br />
em 25 de Abril e legitima<strong>da</strong> pela vontade <strong>do</strong>s Portugueses, reflecte-<br />
-nos a imagem exacta <strong>do</strong> que somos, com as nossas virtudes e os<br />
nossos defeitos, com as nossas limitações e as nossas potenciali<strong>da</strong>des.<br />
Não há solução política em democracia que recuse a legitimação<br />
<strong>do</strong> Poder pelo sufrágio livre e universal, que não enten<strong>da</strong> o<br />
exercício <strong>do</strong> Poder no respeito pela regra <strong>da</strong> alternância. Nesta<br />
mesma perspectiva, não há solução política que não aceite a<br />
responsabili<strong>da</strong>de nacional que os detentores temporários <strong>do</strong><br />
Poder assumem, ao se comprometerem em não criar situações<br />
artificiais ou irreversíveis, com o objectivo de viciarem as<br />
condições e os pressupostos <strong>da</strong> expressão <strong>da</strong> vontade eleitoral.<br />
Na consciência <strong>da</strong> importância destas regras <strong>do</strong> comportamento<br />
político está o resulta<strong>do</strong> principal <strong>da</strong> fase de transição, prevista na<br />
Constituição, e que termina agora, depois de cumpri<strong>do</strong> o seu<br />
objectivo. Como foi constitucionalmente consigna<strong>do</strong>, a fase de<br />
transição permitiu normalizar as relações democráticas, crian<strong>do</strong><br />
to<strong>da</strong>s as condições para que se possa proceder a uma revisão<br />
constitucional esclareci<strong>da</strong>, politicamente informa<strong>da</strong>, que seja um<br />
factor real de estabili<strong>da</strong>de.<br />
Realizaram-se as condições necessárias à normal integração <strong>da</strong>s<br />
forças arma<strong>da</strong>s nas instituições democráticas.<br />
Contra o que muitos receavam ou previam, as forças arma<strong>da</strong>s souberam<br />
cumprir o seu compromisso com o 25 de Abril, contribuin<strong>do</strong><br />
de mo<strong>do</strong> significativo para a realização <strong>do</strong>s seus objectivos<br />
essenciais e obedecen<strong>do</strong>, com rigor e com digni<strong>da</strong>de, aos valores <strong>da</strong><br />
ética que responsabilizam os militares nas suas funções nacionais.<br />
O Conselho <strong>da</strong> Revolução, instituição transitória <strong>do</strong> nosso sistema<br />
de órgãos de soberania, soube cumprir a sua missão constitucional<br />
sem nunca criar qualquer condicionalismo que ultrapasse<br />
o perío<strong>do</strong> de vigência <strong>da</strong> sua responsabili<strong>da</strong>de. Recor<strong>da</strong>n<strong>do</strong> o<br />
poder efectivo de que dispôs, com uma legitimi<strong>da</strong>de constitucional<br />
indiscutível, deve-se sublinhar a moderação que sempre soube ter<br />
nas suas decisões e o mo<strong>do</strong> como soube respeitar as indicações <strong>da</strong><br />
vontade eleitoral. A contribuição <strong>do</strong> Conselho <strong>da</strong> Revolução para<br />
a normalização <strong>da</strong> instituição militar e para a estabilização <strong>da</strong>s<br />
relações democráticas ain<strong>da</strong> poderá ser um tema polémico,