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conteúdo integral do livro - Assembleia da República

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Ao votarmos as leis que votámos, fazêmo-lo assumin<strong>do</strong> as nossas<br />

responsabili<strong>da</strong>des; to<strong>do</strong>s nós, qualquer que seja o senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> nosso<br />

voto. Aos outros mais se não pede que assumam igualmente as suas.<br />

Em democracia, os que nos elegeram serão os juízes <strong>do</strong> nosso comportamento.<br />

Haverá talvez quem pense que, ao dizer o que digo,<br />

estou a ser no mínimo descortês para com V. Ex.ª, Sr. Presidente,<br />

no mínimo inconveniente, dizen<strong>do</strong> o que disse num dia que se<br />

quer de festa: a festa <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de.<br />

Mas porque a cortesia não se confunde com a hipocrisia e porque<br />

esta é a festa <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de, entendi que, no uso dessa liber<strong>da</strong>de,<br />

devia dizer aquilo que disse.<br />

É que talvez uma <strong>da</strong>s formas de respeitarmos essa liber<strong>da</strong>de seja<br />

o aprendermos a falar, sem rodeios, sem subterfúgios, sem simulações.<br />

Também foi para isso que o 25 de Abril se fez.<br />

Aplausos <strong>da</strong> UEDS, <strong>do</strong> PS e de alguns deputa<strong>do</strong>s <strong>do</strong> PSD e <strong>do</strong> CDS.<br />

Sr. Presidente, Srs. Deputa<strong>do</strong>s: A <strong>Assembleia</strong> <strong>da</strong> <strong>República</strong> é, sem<br />

dúvi<strong>da</strong>, o órgão de soberania mais vulnerável, sen<strong>do</strong>, no entanto,<br />

ou talvez por isso mesmo, o de mais transparente funcionamento.<br />

Por ela passa hoje uma <strong>da</strong>s primeiras linhas de defesa <strong>do</strong> regime<br />

democrático.<br />

O seu funcionamento está muito longe de ser perfeito; os deputa<strong>do</strong>s<br />

longe de corresponderem sempre, senão porventura a maior<br />

parte <strong>da</strong>s vezes, ao que deles esperavam os que os elegeram; o sistema<br />

eleitoral comporta vícios que cavam o fosso entre eleitos e<br />

eleitores. Nenhum de nós ousará, em ver<strong>da</strong>de, negá-lo.<br />

Importa corrigir o que é possível corrigir. É urgente encontrar<br />

soluções que potenciem as virtuali<strong>da</strong>des <strong>do</strong> Parlamento e lhe<br />

reduzam os defeitos. Sem dúvi<strong>da</strong>. Mas só por estultícia,<br />

ingenui<strong>da</strong>de ou má fé se pode tomar o to<strong>do</strong> pela parte, recusar as<br />

instituições porque não são perfeitas; no fun<strong>do</strong>, lançar fora a<br />

criança com a água <strong>do</strong> banho.<br />

Os acusa<strong>do</strong>res acima de to<strong>do</strong> o parti<strong>do</strong>, os que se pretendem<br />

acima de to<strong>da</strong> a suspeita, o que é que nos propõem em troca?<br />

Terão reflecti<strong>do</strong> nesta coisa simples de que o confronto de ideias<br />

e projectos é a própria essência <strong>da</strong> democracia? Que os consensos<br />

possíveis em ca<strong>da</strong> momento terão de nascer desses confrontos e<br />

não situar-se acima deles?<br />

Terão compreendi<strong>do</strong> que a <strong>Assembleia</strong> <strong>da</strong> <strong>República</strong> é, no<br />

fun<strong>do</strong>, a expressão possível, ain<strong>da</strong> que distorci<strong>da</strong>, <strong>do</strong> país real?<br />

Imagem que reflecte, mesmo que deforma<strong>da</strong>, os seus defeitos e<br />

as suas virtudes, não imagem feita à semelhança <strong>do</strong> que<br />

gostaríamos que fosse.<br />

Os espelhos construí<strong>do</strong>s para nos devolverem o perfil de um<br />

país idealiza<strong>do</strong>, o eco <strong>da</strong>s virtudes <strong>da</strong> raça, <strong>da</strong> pie<strong>do</strong>sa bon<strong>da</strong>de<br />

<strong>do</strong> povo ou <strong>da</strong> sua omnisciência ignora<strong>da</strong>; para nos trazerem o<br />

reflexo bem comporta<strong>do</strong> de uma ordem imposta ou de um<br />

Sessão solene comemorativa <strong>do</strong> 25 de Abril<br />

1984<br />

Lopes Car<strong>do</strong>so<br />

UEDS<br />

224<br />

unanimismo feito na negação <strong>da</strong>s diferenças, conhecêmo-los,<br />

Srs. Deputa<strong>do</strong>s, por demais.<br />

E os que se esfalfam a sublinhar as imperfeições <strong>do</strong> sistema, os<br />

riscos que inevitavelmente comporta, deveriam dizer-nos,<br />

primeiro, claramente, para onde querem ir, para onde nos<br />

querem levar.<br />

É que se porventura não sabemos para onde nos pode encaminhar<br />

a conflituali<strong>da</strong>de de interesses assumi<strong>da</strong> pelos parti<strong>do</strong>s e traduzi<strong>da</strong><br />

no funcionamento <strong>da</strong>s instituições, sabemos bem demais para<br />

onde nos arrastaria o calar dessa conflituali<strong>da</strong>de.<br />

Os parti<strong>do</strong>s não são por si sós a democracia, mas não há democracia<br />

sem parti<strong>do</strong>s políticos.<br />

Aplausos <strong>da</strong> UEDS e <strong>do</strong> PS.<br />

A democracia representativa não basta, mas a democracia de<br />

«base», a democracia «participativa», nunca existirá sem ela.<br />

Democracia representativa e democracia participativa não se<br />

opõem, completam-se. Uma é o garante <strong>da</strong> outra, uma serve ao<br />

aprofun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> outra.<br />

Se a democracia de base dá corpo à participação colectiva em torno<br />

de interesses imediatamente comuns, os órgãos <strong>da</strong> democracia representativa<br />

são as instâncias onde, <strong>do</strong> conflito entre interesses díspares,<br />

terá de surgir a necessária síntese, a indispensável arbitragem.<br />

A democracia de base não é, não se confunde, nem se realiza na<br />

oratória ambiguamente paternalista de uns quantos ilumina<strong>do</strong>s<br />

falan<strong>do</strong> em praças cheias, onde, após o discurso, surja uma resposta<br />

popular, emocional e confusa, resulta<strong>do</strong> <strong>da</strong> maior ou menor<br />

capaci<strong>da</strong>de de comunicação <strong>do</strong>s que assim julgam «falar ao povo».<br />

A participação popular realiza-se no dia a dia, e no dia a dia se<br />

vem construin<strong>do</strong> desde o 25 de Abril: nas colectivi<strong>da</strong>des, nas<br />

autarquias, nos sindicatos, nas comissões de trabalha<strong>do</strong>res, nas<br />

organizações recreativas, culturais, desportivas, que por to<strong>do</strong> o<br />

País se fazem e desfazem, mas que por to<strong>do</strong> o País vivem.<br />

Sr. Presidente, Srs. Deputa<strong>do</strong>s: Os balanços <strong>do</strong> 25 de Abril não<br />

deveriam ser a expressão <strong>da</strong>s ilusões ou desilusões de ca<strong>da</strong> um.<br />

O esforço que devemos aos que o fizeram e ao povo que o transformou<br />

numa revolução é um esforço de ver<strong>da</strong>de, de apreciação<br />

séria, de análise <strong>do</strong> que foi, de imaginação e de coragem, para<br />

tentarmos criar colectivamente aquilo que será.<br />

Vivemos 10 anos de esperanças e de desilusões, de experiências<br />

partilha<strong>da</strong>s e de conquistas limita<strong>da</strong>s, mas reais. Conservar essas<br />

conquistas é importante, aprofundá-las é talvez mais importante<br />

ain<strong>da</strong>, porque só o seu aprofun<strong>da</strong>mento as irá tornan<strong>do</strong> irreversíveis.<br />

Caminhar em frente foi sempre, e é ain<strong>da</strong>, o papel <strong>da</strong>s<br />

forças de esquer<strong>da</strong>; nessa caminha<strong>da</strong> fica aos conserva<strong>do</strong>res o<br />

papel que é o deles: «conservarem» as conquistas <strong>da</strong> esquer<strong>da</strong>,<br />

quan<strong>do</strong> esta as aprofun<strong>da</strong> e ultrapassa.

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