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conteúdo integral do livro - Assembleia da República

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mais decisivo e eficaz combate contra a pobreza e a exclusão<br />

social na história de to<strong>do</strong>s os governos portugueses, pelo reflexo<br />

contra a criminali<strong>da</strong>de, a insegurança e o flagelo <strong>da</strong> droga.<br />

Vozes <strong>do</strong> PS: — Muito bem!<br />

O Ora<strong>do</strong>r: — Mas nem por isso é menos perigoso alimentar<br />

ilusões. Num mun<strong>do</strong> em que tu<strong>do</strong> imparavelmente interdepende<br />

e se globaliza, deixou de haver excepções e refúgios dura<strong>do</strong>uros.<br />

To<strong>do</strong>s — continentes, países, regiões e ci<strong>da</strong>dãos — somos prisioneiros<br />

<strong>do</strong>s traumas <strong>da</strong> nossa própria civilização. E, pior <strong>do</strong> que isso, <strong>da</strong><br />

generaliza<strong>da</strong> inconsciência <strong>da</strong> gravi<strong>da</strong>de de que se revestem.<br />

Mas a que vem este aviso premonitório a propósito <strong>do</strong> dia <strong>da</strong><br />

liber<strong>da</strong>de?<br />

Vem como chama<strong>da</strong> de atenção para o facto de que são hoje outros,<br />

e diferentes <strong>do</strong> que eram à <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> revolução de Abril, os inimigos<br />

<strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de. Tão outros e tão diferentes que, aplicar aos de hoje<br />

as receitas de então, equivaleria a tentar curar um cancro com<br />

papas de linhaça.<br />

Em 25 de Abril de 1974, pôde um punha<strong>do</strong> de bravos militares<br />

devolver-nos a liber<strong>da</strong>de, que é o supremo bem. Mas fê-lo no quadro<br />

de uma ordem militar que, já nesse então, de algum mo<strong>do</strong>, pertencia<br />

ao passa<strong>do</strong>. A sua bravura foi, na oportuni<strong>da</strong>de, o antí<strong>do</strong>to adequa<strong>do</strong><br />

ao derrube <strong>do</strong> regime policial. Hoje, perante os novos inimigos <strong>da</strong><br />

liber<strong>da</strong>de, a sua bravura seria pouco menos <strong>do</strong> que inútil. Contra<br />

eles, seria reforçativa, ou pouco menos, uma sublevação arma<strong>da</strong>.<br />

É claro que o problema não se põe. Os capitães de Abril foram<br />

a resposta adequa<strong>da</strong> porque a velha ordem militar sufragava<br />

— contraria<strong>da</strong> e não —, havia déca<strong>da</strong>s, o poder despótico. Hoje, as<br />

Forças Arma<strong>da</strong>s Portuguesas garantem o novo regime democrático<br />

e o novo Esta<strong>do</strong> de direito, suportes institucionais <strong>da</strong>s liber<strong>da</strong>des<br />

que a Constituição consagra. É esta, hoje, a sua principal missão,<br />

a sua honra e a sua glória!<br />

Os inimigos só não serão outros na exacta medi<strong>da</strong> em que deixámos<br />

de substituir as perversões autoritárias que nos empenhámos em<br />

destruir. Esqueci<strong>do</strong>s, afinal, de que «só destruímos aquilo que<br />

substituímos».<br />

Nesta linha de precaução, destruir sem substituir é encomen<strong>da</strong>r a<br />

prazo o que julgávamos ter destruí<strong>do</strong>.<br />

Penso concretamente no autoritarismo que destruímos, sem a<br />

imediata preocupação de o substituirmos pela autori<strong>da</strong>de legitima<strong>da</strong><br />

democraticamente. Viemos a corrigir essa falta. Põe-se<br />

agora a questão de saber se lográmos fazê-lo a tempo e na <strong>do</strong>se<br />

bastante. Isto é: se não deixamos ir até longe demais a não preservação<br />

<strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de legítima e se, assim proceden<strong>do</strong>, não<br />

soltámos perigosamente os demónios <strong>da</strong> desobediência e <strong>da</strong> rebelião<br />

civil, com risco de, pon<strong>do</strong> em causa a ordem, pormos de novo em<br />

causa a liber<strong>da</strong>de.<br />

Sessão solene comemorativa <strong>do</strong> 25 de Abril<br />

1997<br />

Almei<strong>da</strong> Santos<br />

Presidente <strong>da</strong> <strong>Assembleia</strong> <strong>da</strong> <strong>República</strong><br />

473<br />

Quais são, então, os novos inimigos <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de? Já implicitamente<br />

o disse. São, para tu<strong>do</strong> dizer numa frase re<strong>do</strong>n<strong>da</strong>, as injustiças<br />

sociais e os sentimentos de desobediência e rebelião civil que<br />

despertam.<br />

Os novos inimigos, contra os quais temos de direccionar estratégias<br />

inova<strong>do</strong>ras, são a pobreza, a exclusão social, a ignorância, o<br />

desemprego, a droga, os conflitos étnicos, a desumanização <strong>da</strong>s<br />

ci<strong>da</strong>des, a desertificação <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> rural, a angústia ecológica, o<br />

amoralismo <strong>do</strong>s comportamentos, enfim, a insegurança como<br />

ponto de encontro de tu<strong>do</strong> isso.<br />

São estes os inimigos <strong>da</strong> democracia — porque a fragilizam — e <strong>da</strong><br />

liber<strong>da</strong>de — porque lhe contrapõem, espero que sem êxito, o<br />

valor ordem. Tenho-o dito muitas vezes: no dia em que a ordem<br />

for colectivamente mais valiosa e deseja<strong>da</strong> <strong>do</strong> que a liber<strong>da</strong>de, os<br />

mesmos que se bateram por esta reclamarão aquela. Confundirão, é<br />

claro, ordem com compulsão. Mas foi esta, não esqueçamos isso, a<br />

mais frequente via de acesso <strong>do</strong>s dita<strong>do</strong>res aos cadeirais <strong>do</strong> poder.<br />

Já vamos nos cortes de estra<strong>da</strong>; na ocupação de lugares; na bravata<br />

reivindicativa; nas milícias priva<strong>da</strong>s; em assomos de perseguição<br />

étnica; em actos de cruel<strong>da</strong>de que, nem por serem pontuais, deixam<br />

de ser preocupantes; no vale tu<strong>do</strong> de uma socie<strong>da</strong>de em que a<br />

competição sem regras resiste ao freio <strong>do</strong>s valores. Ou travamos<br />

os factores causais de tu<strong>do</strong> isso ou, à aceleração <strong>da</strong>s causas,<br />

corresponderá fatalmente a explosão <strong>do</strong>s efeitos.<br />

Perante este exacerba<strong>do</strong> exercício de poderes de facto, o Esta<strong>do</strong><br />

português, em decorrência de fenómenos civilizacionais, que<br />

não <strong>do</strong>mina, e de constrangimentos de integração europeia,<br />

que se não empenha em <strong>do</strong>minar, vai perden<strong>do</strong> capaci<strong>da</strong>de de<br />

intervenção. As alavancas <strong>da</strong> economia ca<strong>da</strong> vez mais lhe<br />

escapam; em breve lhe escapará a regulação monetária e cambial;<br />

fatias de poder libertam-se ao nível <strong>da</strong> cúpula, pela via <strong>da</strong><br />

integração, e ao nível <strong>da</strong> base, pela via autonómica e descentraliza<strong>do</strong>ra;<br />

áreas suculentas <strong>do</strong> seu sistema jurídico têm novo<br />

<strong>do</strong>no; a lei, como instrumento <strong>da</strong> sua vontade, perde esplen<strong>do</strong>r<br />

e acatamento; os suportes tradicionais <strong>do</strong>s valores que impregnavam<br />

o próprio direito entraram em quebra ou em recuo.<br />

Governar é hoje, em to<strong>da</strong>s as democracias, um exercício difícil.<br />

Quase um número de circo. Exige-se <strong>do</strong>s governantes o que<br />

não está muitas vezes ao seu alcance. Exige-se deles, por vezes,<br />

uma coisa e a sua contrária: a liber<strong>da</strong>de até ao abuso e a ordem<br />

até à posição de senti<strong>do</strong>; a igual<strong>da</strong>de social e a liber<strong>da</strong>de de<br />

competir; a autori<strong>da</strong>de legitima<strong>da</strong> pelo voto e a autori<strong>da</strong>de<br />

religitima<strong>da</strong> pela opinião.<br />

São, pois, estes os novos inimigos contra os quais são irrecuperáveis<br />

a ordem militar, a velha ordem económica, a velha<br />

ordem política, a velha ordem social, a ordem cultural e a ordem<br />

ética <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>. Do que se precisa é de um novo pacto social<br />

global abençoa<strong>do</strong> pelo fantasma de Rousseau.

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