16.04.2013 Views

conteúdo integral do livro - Assembleia da República

conteúdo integral do livro - Assembleia da República

conteúdo integral do livro - Assembleia da República

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

desequilíbrios <strong>do</strong> nosso tempo e de encontrar soluções para eles.<br />

Foi ela que, no último meio século, nos fez pagar o alto preço<br />

demográfico, ecológico, social e cultural <strong>da</strong>s maravilhas que<br />

introduziu nas nossas vi<strong>da</strong>s. Foi óptimo o alargamento <strong>da</strong> esperança<br />

de vi<strong>da</strong>. Mas a população passou a crescer à razão exponencial de<br />

um bilião de seres humanos por déca<strong>da</strong>. O equivalente, em ca<strong>da</strong><br />

ano, à população <strong>da</strong> Alemanha, <strong>da</strong> França e <strong>da</strong> Suíça. Pagamos<br />

essa maravilha em fome, em exclusão social, em desemprego, em<br />

desequilíbrios naturais.<br />

Foi espantosa a industrialização <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, mas pagamos por ela<br />

o preço <strong>da</strong> urbanização selvagem e <strong>da</strong>s mais paranóicas agressões<br />

à natureza e aos seus equilíbrios.<br />

Foi deslumbrante a conquista <strong>da</strong> informação instantânea e universal<br />

e <strong>da</strong> veloci<strong>da</strong>de supersónica, mas estamos pagan<strong>do</strong> por isso o<br />

preço social, político e cultural <strong>da</strong> interdependência de tu<strong>do</strong> e<br />

to<strong>do</strong>s, <strong>da</strong> abertura <strong>do</strong> que era fecha<strong>do</strong>, <strong>da</strong> globalização <strong>do</strong> que era<br />

circunscrito. O preço — digamo-lo sem falsas reservas — <strong>do</strong> fim <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong>-Nação como espaço de identi<strong>da</strong>des e soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>des, o<br />

fim, segun<strong>do</strong> alguns, <strong>da</strong> fase institucional <strong>do</strong> próprio fenómeno<br />

político, a irrecusável crise <strong>do</strong>s valores e <strong>da</strong> nossa impreparação<br />

para viver sem eles.<br />

Tu<strong>do</strong> agora se processa em termos de supranacionalização,<br />

internacionalização, universalização em sistema de redes. O<br />

poder económico concentra-se em mega-empresas sem pátria.<br />

O poder político fragmenta-se, multipolariza-se, difunde-se.<br />

Deixa progressivamente de ter expressão material e passou a medir-<br />

-se em capaci<strong>da</strong>de de informação e relacionamento. Rede é agora a<br />

palavra mágica, a nova divin<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s sedentos de <strong>do</strong>mínio.<br />

Num mun<strong>do</strong> sem cancelas físicas e de caminho sem delimitações<br />

jurídicas circulam mais livremente as pessoas e os capitais,<br />

mas também a criminali<strong>da</strong>de, o tráfico de armas, de drogas<br />

e de sexo.<br />

A insegurança converteu-se em preocupação universal <strong>do</strong>minante,<br />

sem combate a nascente <strong>da</strong>s causas sociais que a determinam<br />

nem resposta eficaz a jusante delas. Cresce sem controlo e sem<br />

limite a capaci<strong>da</strong>de individual de violência, destruição e desordem.<br />

Um míssil de longo alcance começa a estar ao dispor de fanáticos e<br />

loucos. As armas atómicas já não estão, elas também, to<strong>da</strong>s em boas<br />

mãos e os que as controlam — quantas vezes um só homem — dispõem<br />

<strong>da</strong>s nossas vi<strong>da</strong>s como os antigos senhores dispunham <strong>da</strong><br />

<strong>do</strong>s seus escravos. A ordem vem-se converten<strong>do</strong> no mais relativo e<br />

vulnerável <strong>do</strong>s valores sociais e políticos. Ao relativizar-se, relativiza<br />

a liber<strong>da</strong>de, a democracia, o Esta<strong>do</strong> de direito. Mais grave <strong>do</strong> que<br />

tu<strong>do</strong> isso — alegam os pessimistas — é que estamos em vias de ultrapassar<br />

limites naturais, quase sem margem para recuo. O crescimento<br />

económico e demográfico acerca-se <strong>do</strong> ponto de ruptura e<br />

em muitos aspectos, os efeitos negativos desse crescimento<br />

abeiram-se <strong>do</strong>s limites <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de de regeneração <strong>do</strong> ecossitema.<br />

Sessão solene comemorativa <strong>do</strong> 25 de Abril<br />

1998<br />

Almei<strong>da</strong> Santos<br />

Presidente <strong>da</strong> <strong>Assembleia</strong> <strong>da</strong> <strong>República</strong><br />

499<br />

Algo terá, pois, de acontecer para que as únicas saí<strong>da</strong>s não tenham<br />

de ser catastróficas.<br />

A ca<strong>da</strong> um a sua escolha. É sabi<strong>do</strong> que já fiz a minha: escolhi<br />

preocupar-me. Há déca<strong>da</strong>s que vejo acumular os perigos sem<br />

resposta, científica ou outra.<br />

E se hoje e aqui reafirmo estas minhas preocupações é precisamente<br />

porque é hoje o dia <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de, e achei que a melhor forma de<br />

homenageá-la e defendê-la é estimular uma reflexão salutar<br />

sobre os novos riscos que corre e os novos inimigos que tem.<br />

Creio no homem e na sua capaci<strong>da</strong>de de redenção. Se não acreditasse<br />

em que ain<strong>da</strong> estamos a tempo de evitar soluções catastróficas,<br />

cancelan<strong>do</strong> a encomen<strong>da</strong> que delas vimos fazen<strong>do</strong>, não valeriam<br />

a pena as minhas bem intenciona<strong>da</strong>s premonições.<br />

Uma vez mais quero afirmar que não relaciono o essencial <strong>da</strong>s<br />

minhas preocupações com o que se passa em Portugal. Pelo contrário:<br />

<strong>do</strong>u público testemunho de que na relativi<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s coisas<br />

— ou seja <strong>do</strong>s países — Portugal é um <strong>do</strong>s que mais se pode vangloriar<br />

de estar lutan<strong>do</strong> por soluções harmoniosas e por respostas<br />

redentoras, conseguin<strong>do</strong> com êxito justificar o optimismo possível.<br />

A economia portuguesa vem sen<strong>do</strong> uma «menina» bem comporta<strong>da</strong>,<br />

as preocupações sociais vão rouban<strong>do</strong> espaço às preocupações<br />

políticas e Portugal ganhou assento no topo <strong>do</strong> futuro sistema<br />

monetário europeu, ou seja, na gestão de uma séria alternativa<br />

monetária ao dólar to<strong>do</strong> poderoso. Na gestão, quero crer, <strong>do</strong>s<br />

próximos passos a caminho de uma moe<strong>da</strong> única universal.<br />

Na<strong>da</strong> disto, é claro, anestesia a <strong>do</strong>r <strong>da</strong>s chagas sociais que também<br />

entre nós subsistem. Apesar disso, quem nos dera que não viéssemos<br />

a ser contamina<strong>do</strong>s, mais <strong>do</strong> que já o fomos, pelas consequências<br />

<strong>do</strong> desvario ca<strong>da</strong> vez mais globaliza<strong>do</strong> que se apossou <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>.<br />

Não digo tu<strong>do</strong> isto por Portugal estar a ser geri<strong>do</strong> por um<br />

Governo <strong>do</strong> meu parti<strong>do</strong>, nem por ter à frente desse Governo um<br />

camara<strong>da</strong> que muito admiro e prezo. Teria, então, de reconhecer,<br />

com inteira justiça, que a resposta aos fenómenos <strong>da</strong> abissal<br />

descontinui<strong>da</strong>de que referi vem de há muito, de anteriores governos,<br />

socialistas e não socialistas. E também, se não sobretu<strong>do</strong>, <strong>da</strong><br />

capaci<strong>da</strong>de de regeneração, compreensão e até sofrimento <strong>do</strong><br />

povo português. Após meio século de olhos ven<strong>da</strong><strong>do</strong>s pela pala<br />

sinistra <strong>da</strong> ditadura, soube com galhardia a<strong>da</strong>ptar-se à nova luz<br />

<strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de. Vem, afinal, <strong>do</strong> 25 de Abril, não como <strong>da</strong>ta, ou<br />

sequer como movimento, mas como processo continua<strong>do</strong> de institucionalização<br />

de uma nova ordem política e social.<br />

Mas a preocupação que hoje particularmente me <strong>do</strong>mina, é saber<br />

como poderão ser preserva<strong>da</strong>s, nas fatais rupturas e descontinui<strong>da</strong>des<br />

<strong>do</strong> futuro, a liber<strong>da</strong>de e a democracia conquista<strong>da</strong>s em<br />

Abril ou a partir de Abril. A partir <strong>da</strong> sua cor, <strong>do</strong> seu perfume, <strong>da</strong>s<br />

suas exigências de alma.<br />

Que o Esta<strong>do</strong>-Nação de hoje é uma organização a prazo, é<br />

constatação que já invade to<strong>do</strong>s os manuais <strong>da</strong> sociologia política.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!