conteúdo integral do livro - Assembleia da República
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O Sr. Presidente: — Como representante<br />
<strong>do</strong> CDS, tem a palavra o Sr. Deputa<strong>do</strong><br />
Azeve<strong>do</strong> Soares.<br />
O Sr. Azeve<strong>do</strong> Soares (CDS): — Sr. Presidente<br />
<strong>da</strong> <strong>República</strong>, Sr. Presidente <strong>da</strong> <strong>Assembleia</strong> <strong>da</strong> <strong>República</strong>,<br />
Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputa<strong>do</strong>s, Senhoras e Senhores:<br />
Evocar uma <strong>da</strong>ta. Avaliar uma déca<strong>da</strong>. Pensar no futuro.<br />
Na história <strong>do</strong>s povos e <strong>da</strong>s nações sobressaem certas <strong>da</strong>tas,<br />
assumem especial significa<strong>do</strong> certos momentos. De to<strong>do</strong>s esses<br />
momentos é herdeira a reali<strong>da</strong>de que somos. Esta e não outra.<br />
Esta e não aquela com que porventura sonharam quantos inspiraram<br />
e se destacaram nesses momentos.<br />
Há 10 anos um regime político incapaz de responder aos desafios<br />
<strong>da</strong> época e desprovi<strong>do</strong> de mecanismos de regeneração, <strong>da</strong><strong>da</strong> a sua<br />
natureza não democrática, foi derruba<strong>do</strong> pelas Forças Arma<strong>da</strong>s<br />
Portuguesas, mais propriamente por um numeroso grupo <strong>do</strong>s seus<br />
oficiais, <strong>do</strong>s mais novos e, talvez por isso, <strong>do</strong>s mais preocupa<strong>do</strong>s<br />
quanto ao futuro <strong>do</strong> País. Avançaram au<strong>da</strong>ciosamente em 16 de<br />
Março e, conti<strong>do</strong>s, não recuaram nos seus propósitos, desencadean<strong>do</strong><br />
um mês depois o movimento que resultou. Foram militares — e<br />
apenas eles — que formaram a decisão e assumiram os riscos.<br />
Do seu gesto, que hoje evocamos, o CDS retém a sua matriz fun<strong>da</strong>mental<br />
— a instituição de um regime democrático. Com ela se<br />
identifica o CDS, como nesse momento e ain<strong>da</strong> hoje se identifica<br />
o País. Mas há que ser mais exigente. A democracia é mesmo o<br />
regime <strong>da</strong> exigência e importa avaliar estes 10 anos pelos seus<br />
resulta<strong>do</strong>s, para além <strong>da</strong> democracia e <strong>da</strong> liber<strong>da</strong>de.<br />
E o facto é que, 10 anos passa<strong>do</strong>s, Portugal é hoje, seguramente,<br />
um país mais pobre.<br />
As desigual<strong>da</strong>des sociais e os desequilíbrios regionais mantêm-se e,<br />
em alguns casos, acentuaram-se; aumentaram brutalmente os impostos<br />
e pioraram de uma forma geral os serviços presta<strong>do</strong>s pelo<br />
Esta<strong>do</strong>; a crise <strong>da</strong> habitação não conhece paralelo; o desemprego<br />
aumentou 8 vezes; os salários reais, em que<strong>da</strong> vertiginosa, recuaram<br />
já em relação há 10 anos; a agricultura estagnou e não chega<br />
para alimentar metade <strong>do</strong> País; o ensino degra<strong>do</strong>u-se e <strong>da</strong>s nossas<br />
universi<strong>da</strong>des não saem homens apetrecha<strong>do</strong>s, e educa<strong>do</strong>s a pensar;<br />
o investimento produtivo diminui e o património industrial torna-se<br />
obsoleto; atinge-se a escan<strong>da</strong>losa e degra<strong>da</strong>nte reali<strong>da</strong>de de haver<br />
em Portugal quem trabalha e não recebe atempa<strong>da</strong>mente o seu<br />
salário; nos centros de decisão internacionais, Portugal pede mas<br />
não influencia; enfim, a nossa moe<strong>da</strong> é fraca e enfraquece.<br />
Sessão solene comemorativa <strong>do</strong> 25 de Abril<br />
1984<br />
Azeve<strong>do</strong> Soares<br />
CDS<br />
231<br />
Neste quadro, e apesar <strong>do</strong>s aspectos positivos que também se<br />
reconhecem, cresce a incerteza <strong>do</strong>s portugueses e instala-se o<br />
desânimo. Surge e alastra a angústia e, sen<strong>do</strong> ca<strong>da</strong> vez menos<br />
apercebi<strong>do</strong> o próprio destino, a energia esgota-se na sobrevivência,<br />
no dia que passa.<br />
Um povo que acreditou e acredita nas virtuali<strong>da</strong>des <strong>do</strong> regime<br />
democrático não esperava tais resulta<strong>do</strong>s. E muito justamente!<br />
Porquê, então esta reali<strong>da</strong>de?<br />
Percorri<strong>do</strong>s 10 anos, o problema continua a ser essencialmente<br />
político.<br />
Numa atitude consciente e programa<strong>da</strong>, mas abusiva, desde ce<strong>do</strong><br />
se foi geran<strong>do</strong> a falsa identificação <strong>do</strong> socialismo com a liber<strong>da</strong>de.<br />
A tal ponto que para muitos o socialismo deixou de ser uma opção<br />
entre outras, mas antes um corolário dessa mesma liber<strong>da</strong>de.<br />
Contrariar o socialismo significava combater a liber<strong>da</strong>de e, por isso,<br />
o próprio regime democrático. E, no entanto, na<strong>da</strong> há de mais falso.<br />
Só que as forças políticas que se reclamam <strong>do</strong> socialismo –<br />
democrático ou não, mais ou menos social-democrático – capturaram<br />
o Esta<strong>do</strong> e, servin<strong>do</strong>-se dele, propagandearam, por vezes<br />
até ao absur<strong>do</strong>, essa mistificação. Transformaram o 25 de Abril<br />
num mito e des<strong>do</strong>braram-no em tantos mitos quantos os<br />
necessários à sua manutenção no poder e à defesa <strong>do</strong>s seus interesses<br />
particulares, materiais e ideológicos.<br />
Distorci<strong>do</strong> assim o regime, mutila<strong>da</strong> constitucionalmente a liber<strong>da</strong>de,<br />
reduzi<strong>da</strong>s as escolhas, a história destes últimos 10 anos<br />
reduz-se pois e principalmente à história <strong>do</strong> socialismo e <strong>da</strong> sua<br />
incapaci<strong>da</strong>de para resolver os principais problemas de Portugal.<br />
E perante isto, talvez seja legítimo considerar o actual bloco político<br />
<strong>do</strong>minante como o epílogo e o resumo dessa mesma história.<br />
O Parti<strong>do</strong> Socialista e o Parti<strong>do</strong> Social-Democrata governam um<br />
Esta<strong>do</strong> imenso <strong>do</strong> alto <strong>da</strong> sua imensa maioria. O próprio<br />
Primeiro-Ministro, certamente num lapso de desrespeito pelas<br />
regras <strong>da</strong> democracia, compraz-se em pretender fazer acreditar<br />
aos portugueses que não há alternativa ao seu Governo.<br />
É certo que, no entender desses parti<strong>do</strong>s, o enfrentar <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de<br />
ain<strong>da</strong> pode ser adia<strong>do</strong> através <strong>do</strong> desvio <strong>da</strong>s atenções e <strong>da</strong>s energias<br />
para a luta pela ocupação <strong>do</strong> último e importante cargo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />
que lhes escapa.<br />
De pouco ou na<strong>da</strong> valerá o esforço. A agu<strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de económica<br />
e social não consente mais protelamentos e acabará por impor os<br />
seus direitos, entre os quais não consta o de se poder governar<br />
sem decidir, o de se distribuir riqueza que se não cria. O que a<br />
história destes 10 anos e deste governo prova é que o melhor alia<strong>do</strong><br />
<strong>da</strong> democracia não é o socialismo mas a liber<strong>da</strong>de.<br />
Tu<strong>do</strong> o que foi feito pela liber<strong>da</strong>de continua a ser um princípio<br />
de esperança; tu<strong>do</strong> o que foi feito em nome e por causa <strong>do</strong> socialismo<br />
provou mal e é um far<strong>do</strong> que o País carrega.<br />
Sr. Presidente <strong>da</strong> <strong>República</strong>, Sr. Presidente, Srs. Deputa<strong>do</strong>s: