conteúdo integral do livro - Assembleia da República
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O Sr. Presidente: — Por direito próprio,<br />
vai usar <strong>da</strong> palavra S. Ex.ª o Sr. Presidente<br />
<strong>da</strong> <strong>República</strong>.<br />
O Sr. Presidente <strong>da</strong> <strong>República</strong> Mário<br />
Soares: — Sr. Presidente <strong>da</strong> <strong>Assembleia</strong> <strong>da</strong> <strong>República</strong>, Sr.<br />
Primeiro-Ministro, Srs. Membros <strong>do</strong> Governo, Sr. Presidente <strong>do</strong><br />
Supremo Tribunal de Justiça, Srs. Deputa<strong>do</strong>s, Exmas Autori<strong>da</strong>des<br />
Civis e Militares, ilustres Convi<strong>da</strong><strong>do</strong>s, minhas Senhoras e meus<br />
Senhores: A mais grata afirmação que se pode fazer, neste dia em<br />
que se cumprem catorze anos sobre o reencontro de Portugal<br />
com a liber<strong>da</strong>de, é a de que o 25 de Abril não é uma efeméride<br />
<strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, que careça de ser ressuscita<strong>da</strong> ritualmente em ca<strong>da</strong><br />
aniversário, mas antes um ideal que se mantém vivo e actuante na<br />
consciência <strong>do</strong>s Portugueses e a que a grande maioria continua<br />
indelevelmente fiel.<br />
É sempre com muita alegria que assinalamos uma <strong>da</strong>ta que hoje<br />
pertence ao património histórico português e que guar<strong>da</strong>mos preciosamente<br />
na memória e no coração. Sau<strong>da</strong>r os que a tornaram<br />
possível — e em especial os militares de Abril — é, assim, um acto<br />
de elementar justiça. Mas, mais <strong>do</strong> que celebrar a <strong>da</strong>ta, retoricamente,<br />
importa voltar os olhos para o futuro e mobilizar os<br />
Portugueses — e em especial os jovens — para os grandes desafios<br />
que o novo tempo nos apresenta e aos quais temos de responder,<br />
sem demora, com criativi<strong>da</strong>de, ousadia, a participação de to<strong>do</strong>s e<br />
os consensos possíveis.<br />
Nestes catorze anos, apesar de erros, desvios, vicissitudes diversas<br />
— e mesmo de alguns inevitáveis ressentimentos —, conseguimos<br />
criar os pressupostos sem os quais o desenvolvimento de Portugal<br />
e o bem-estar <strong>do</strong>s Portugueses, em especial <strong>do</strong>s mais humildes,<br />
ficaria irremediavelmente comprometi<strong>do</strong>. O primeiro e mais<br />
importante desses pressupostos, a democracia pluralista, é hoje,<br />
felizmente, um valor indiscutível, enraiza<strong>do</strong> e irreversível — uma<br />
reali<strong>da</strong>de vivi<strong>da</strong> quotidianamente por to<strong>do</strong>s os portugueses.<br />
Durante este tempo <strong>do</strong>támos o País de instituições democráticas<br />
que, embora possam e devam ser aperfeiçoa<strong>da</strong>s, têm funciona<strong>do</strong><br />
regularmente e consubstanciam um Esta<strong>do</strong> de direito moderno.<br />
Graças, em grande parte, à pujante reali<strong>da</strong>de <strong>do</strong> poder local, mudámos<br />
as condições de vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s populações, alterámos a paisagem<br />
física e humana de Portugal, criámos outros hábitos, necessi<strong>da</strong>des e<br />
exigências. A autonomia regional permitiu uma nova forma de participação<br />
<strong>da</strong>s populações insulares no to<strong>do</strong> nacional. Com a institucionalização<br />
<strong>da</strong> concertação social, o movimento sindical e as<br />
Sessão solene comemorativa <strong>do</strong> 25 de Abril<br />
1988<br />
Mário Soares<br />
Presidente <strong>da</strong> <strong>República</strong><br />
341<br />
associações patronais dialogam como ver<strong>da</strong>deiros parceiros sociais,<br />
em pé de igual<strong>da</strong>de. Assim se procura consoli<strong>da</strong>r os factores de<br />
coesão social e de soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de. Nasceu — e, sobretu<strong>do</strong> tem vin<strong>do</strong><br />
a desenvolver-se — uma nova consciência <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia, que se<br />
reconhece nos valores <strong>do</strong> diálogo, <strong>da</strong> participação, <strong>da</strong> tolerância,<br />
<strong>do</strong> respeito pelos outros. Estamos a reencontrar, enfim, o orgulho<br />
de sermos portugueses e a certeza de que Portugal é um país de<br />
futuro e que esse futuro depende em primeira linha, <strong>do</strong> nosso<br />
querer colectivo.<br />
Estão, pois, reuni<strong>da</strong>s as condições indispensáveis para que possamos<br />
ultrapassar a fase de transição para o desenvolvimento e para que<br />
vivamos, em to<strong>do</strong>s os planos <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> económica, social e cultural, as<br />
exigências plenas <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de. É esse o senti<strong>do</strong> <strong>do</strong> irrecusável<br />
desafio <strong>da</strong> construção <strong>da</strong> <strong>República</strong> moderna aberta, participa<strong>da</strong> e<br />
que desejamos esteja ao serviço <strong>do</strong>s ci<strong>da</strong>dãos, sem discriminações.<br />
Com uma história e uma cultura multisseculares, que forjaram<br />
uma identi<strong>da</strong>de nacional de uma riqueza incomparável — aliás<br />
amplamente reconheci<strong>da</strong> na ordem externa —, Portugal, fiel à<br />
mais lídima lição <strong>do</strong> seu passa<strong>do</strong> e à sua vocação universalista, é<br />
hoje um país aberto aos novos ventos que sopram no Mun<strong>do</strong> e<br />
essencialmente volta<strong>do</strong> para o futuro.<br />
Membro <strong>da</strong> Comuni<strong>da</strong>de Europeia há pouco mais de <strong>do</strong>is anos,<br />
Portugal e os Portugueses têm vin<strong>do</strong> a enfrentar com sucesso os<br />
desafios <strong>da</strong> competitivi<strong>da</strong>de a que estão sujeitos, deven<strong>do</strong><br />
preparar-se, <strong>da</strong>qui até 1992, ano em que, em consequência <strong>do</strong><br />
Acto Único, será cria<strong>do</strong> o grande merca<strong>do</strong> europeu, para transformações<br />
sem paralelo na nossa história moderna. É imperioso,<br />
para tanto, que se modernize a agricultura e se reestruturem e<br />
desenvolvam as indústrias, investin<strong>do</strong> a fun<strong>do</strong> na educação e na<br />
formação profissional.<br />
O desafio de 1992 representa uma priori<strong>da</strong>de vital, de que to<strong>do</strong>s<br />
os portugueses deverão estar conscientes. Importa, assim, suprir,<br />
com decisão, os factores estruturais <strong>da</strong> tradicional vulnerabili<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong> nossa economia — entre os quais se contam a dependência,<br />
quase sem defesa, perante oscilações exteriores, a fragili<strong>da</strong>de<br />
tecnológica e uma gestão antiqua<strong>da</strong> e insuficiente —, tornan<strong>do</strong> a<br />
economia portuguesa competitiva, eficaz e mesmo agressiva em<br />
termos externos.<br />
Não podemos, to<strong>da</strong>via, perder de vista que o indispensável desenvolvimento<br />
tem de ter uma ver<strong>da</strong>deira dimensão social —<br />
condição imprescindível de sucesso —, cultivan<strong>do</strong> os valores <strong>da</strong><br />
participação, <strong>da</strong> concertação e <strong>do</strong> diálogo, os únicos que em<br />
democracia são susceptíveis de evitar bloqueios, conflitos e<br />
divisões graves, que tu<strong>do</strong> podem comprometer, <strong>do</strong> mesmo passo<br />
que deve basear-se na soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de para com os portugueses<br />
mais pobres e menos prepara<strong>do</strong>s profissionalmente, que são os<br />
que mais poderão vir a sentir os inevitáveis efeitos perversos <strong>da</strong>s<br />
transformações em curso.